10/12/2016

Deslocamento

         
Ilustração: Ator Gary Dourdan

         Eu não o ouvia mais, ele havia perdido a fala. As palavras de Serafim que perpetuavam em minha mente eram as mesmas de 32 anos atrás. O único som que ele conseguia proferir eram gemidos de dor e quando eu me levantava e verificava a fonte das dores, era como se a minha presença milagrosamente já aliviasse algum mal estar.

          Uma vez demasiadamente temeroso, quando já havia voltado ao quarto que havia improvisado para ele muito mais vezes do que nas outras noites, minhas pálpebras pesavam tanto que não vi outro jeito a não ser o de me colocar ao seu lado na cama. Embora a poltrona fosse confortável, eu não dormi. Serafim parara de gemer e eu remexia as minhas memórias involuntariamente e então, quem passou a gemer internamente com dores profundas fui eu. Isso se repetia com tanta frequência que eu concluía dramaticamente que me fazer passar a noite em claro com o pensamento atribulado pelas dores do passado, era uma forma de Serafim terminar a vida sendo sádico comigo.
          Toquei em seu peito verificando sua respiração. Era tão suave que quando ele estava de olhos fechados eu duvidava que esta ação natural ocorria. Ficava aliviado quando constatava que sim, a não ser pelo fato de saber que lá no fundo, minha preocupação contínua era que eu o perdesse mais uma vez, agora que o tinha de volta. E isso me assustava, eu não queria ter essa proximidade. Julgava que aquele homem não era digno de um átomo do meu afeto. Mas era incontrolável e se aflorava crescendo incrivelmente um pouco mais a medida em que o passado ia ficando a cada novo dia, mais no passado.
          Ainda com as mãos sobre seu tórax eu ergui minha coluna lentamente quando a campainha tocou. Ele abriu os olhos e nos fitamos por longos segundos até ela tocar novamente. Eu respirei fundo, peguei o terno e a mochila ao lado da cama, na cômoda estava um envelope ainda lacrado que eu alisei assim que peguei nas mãos. No dia anterior eu não quis abri-lo, na realidade, eu tinha muito medo da verdade, mas naquele momento era necessário, porque eu não tinha alternativa a não ser descobri-la logo e me voltando para Serafim com um sentimento que eu não saberia jamais transcrever depois de olhar minuciosamente o conteúdo do envelope, fui abrir a porta para Glaucia que impaciente, havia tocado a campainha pela quarta vez.
         – Porque demorou tanto a abrir? – Eu olhei no relógio, já havia se passado uns 15 minutos de seu horário – Passei na padaria e... Mas sua cara está péssima – ela havia notado. Expliquei que não havia dormido a noite toda. Ela simulou uma expressão sofrida para logo depois desmanchá-la em um sorriso questionando se eu havia feito o café – Hoje vou dormir aqui. Você vai poder descansar melhor, não quer esperar pra tomar café comigo? – disse amigável tentando arrancar em vão uma expressão de conforto. Eu só balancei negativamente a cabeça saindo apressado, precisava urgentemente encontrar Olívia.
           Ela morava um pouco distante, mas eu levaria um tempo bem maior do que o normal para chegar à sua casa uma vez que me era impossível dirigir sem parar inúmeras vezes para assimilar o que estava acontecendo. Lembrei de quando começamos a namorar, foi difícil assumir mais um relacionamento sério, pois, eles sempre acabavam mal. Aliás, eu queria muito me livrar dos ciúmes, mas era inevitável, eu não sabia exatamente o motivo, mas eles faziam parte de mim e era exatamente o fato dos meus relacionamentos nunca darem certo. Olívia tinha um olhar encantador e um jeito sensual, embora sutil como a sombra. Era tão questionadora... Assim que começamos um relacionamento sério, ela quis saber da minha vida desde que eu era um feto. Eram tantas perguntas e, muitas delas, em relação a minha infância, ficavam sem respostas porque eu não conseguia lembrar esta parte da minha vida sem que meu semblante ficasse distorcido. Estávamos juntos há pouco mais de dois anos, era o meu relacionamento mais longo, seus gestos contavam-me segredos sobre si que ela mesma desconhecia, mas ela pouco sabia sobre meu passado.
          Um dia caminhando com Olívia pelo Parque das Águas, vi um rosto conhecido e fechei o semblante mais nublado que pude para que não me reconhecessem ou para que aquela minha expressão fosse um obstáculo para possíveis abordagens indesejáveis. Olívia notou minha mudança repentina e perguntou-me o que estava ocorrendo. Não fui capaz de responder. A resposta viria em seguida. Meus sinais de "quero você longe!" foram ignorados.
          Nina era tão alegre e doce, que eu não pude sustentar a expressão de arrogância nos olhos quando ela se aproximou e me abraçou instantaneamente dizendo que eu não havia mudado nada. Perguntou-me se ainda encontrava alguém do abrigo. Ligeiramente balancei a cabeça negando. E ela citou o nome de uma amiga que frequentava minha casa, a qual Olívia conhecia bem, fazendo-a apertar os olhos tentando juntar as informações e tirar a conclusão de que eu estivera em um orfanato e que conhecia Nina e essa amiga de lá. Nina irrompeu um mar de informações que eu não havia pedido sobre os antigos membros do orfanato que ela ainda mantinha contato, chacoalhava um bebê que dormia em seu colo e informou que seu marido estava por perto com seus outros dois filhos, apontando na direção do outro lado do lago. Quando ela finalmente notou que eu não estava correspondendo sua alegria em reencontra-me e respondendo de forma monossilábica todas as perguntas que fazia, finalmente deu adeus e ainda sorridente afastou-se.
          Fixei os olhos em meus sapatos assim que sofregamente sentei no banco úmido do parque. Olívia não quis molhar o vestido e se pôs em pé ao meu lado ocultando com angústia um monte de perguntas que eu tinha certeza que ela gostaria de fazer-me naquele momento. Mas Olívia devia mesmo ser de outro mundo, pois, quando Nina se foi, ela percebeu que minha aflição em relembrar o passado era maior que a aflição de sua curiosidade. Ela roía as unhas da mão esquerda todas juntas demonstrando um nervosismo fora do comum, não sabendo como começar a questionar ou se deveria fazer isto naquele momento.
           Depois de longos minutos de costas, sentou-se ao meu lado e me abraçou encostando a cabeça no meu ombro. Como prêmio por entender meu silêncio, eu achei que deveria contar-lhe tudo e ali mesmo no Parque entre os tranquilizantes verdes lubrificados pela poeira da chuva que houvera caído, comecei a desengasgar cada dor.
          20 de julho de 1967, eu estava no quarto que sempre havia sido meu há 9 anos. Meus olhos inchados de tanto chorar pela morte da minha mãe. Eu ainda estava com a mesma roupa que havia ido ao velório.
          Depois que meus avós morreram, Carmem, irmã da minha mãe passou a morar lá no Rio com Serafim, minha mãe e eu. Ela foi a única parente que eu conheci. Naquele momento ela e Serafim discutiam alto na sala e eu sabia que eles estavam falando de mim. Quando o silencio voltou, percebi que meus esforços para entender a discussão me fizeram parar de pensar em meu sofrimento e quando eu retornei a ele, cai inerte na cama entorpecido pela minha dor e foi então que ouvi a porta do quarto sendo aberta com toda força e Serafim gritando comigo de um jeito insuportavelmente pior do que das últimas vezes:
          – Sai! Sai daqui agora! – Carmem tentou segura-lo suplicando a ele para se acalmar porque os vizinhos poderiam ouvir. Meu coração parecia que iria explodir. Ela olhou para o meu semblante e pediu calma garantindo falsamente que tudo iria ficar bem. Não iria! Ela sabia. Havia acabado de perder minha mãe e estava prestes a perder um pai dali a poucos dias de uma forma incrivelmente pior.
          Depois de alguns longos e aterrorizantes minutos eu ouvi um barulho de carro arrancar e corri para sala. Carmem saiu do banheiro ainda de toalha dizendo que do jeito que ele saíra, algum acidente poderia acontecer.
          – O que esta acontecendo, tia Carmem?
          Ela se deu conta que estava só de toalha, me pediu pra esperar e voltou correndo para o banheiro.
          Já fazia mais de 40 minutos que eu esperava encostado na porta do banheiro, sentado no chão, abraçando os joelhos. Enterrei o rosto quando soube que ela também chorava baixinho.
          Quando ela saiu, estava com roupa de festa. Eu sabia que era uma roupa de festa, pois há algumas semanas atrás, quando ela tirou o vestido vermelho de dentro da sacola, ela falou para mamãe que comprara um vestido lindo de festa. E eu o reconheci naquele momento. “Para qual festa tia Carmem estaria indo depois de enterrar a irmã?” Pensei. Ela foi até o quarto e voltou com a bolsa presa aos ombros dizendo que precisava ir.
          Eu rasguei um pedaço do vestido de festa da Carmem implorando pra que ela não me deixasse sozinho. Quando finalmente nos cansamos, ela me puxou para o quarto, enxugou minhas lágrimas pedindo pra que eu tomasse um banho, mas, eu desesperado que ela aproveitasse esse momento para ir embora, somente troquei de roupa. Ela me deitou na cama, trocou os meus sapatos e deitou-se ao meu lado. Eu lutei com toda força para não dormir, mas o que eu mais temia aconteceu. Quando o sol se levantou pela manhã, eu estava sozinho.
          Serafim voltava fedido e bêbado após dois dias fora de casa. Mas eu achei seus olhos mais calmos e acreditei que tudo ficaria bem na medida do possível até que, ele me sentou no braço do sofá, se abaixou na altura de meus olhos e foi falando com os olhos verdes mais frios que eu já vi:
          – Você não é meu filho! Só aceitei você aqui porque eu amei a burra da sua mãe mais do um homem deve amar uma mulher. Ela viajou para Sergipe e ficou lá por duas semanas e voltou grávida de você. Mas você não é e nem nunca será meu filho. Agora que ela está morta... Eu quero que você se vire. Arrume suas coisas que vou te levar para um orfanato. Você também morreu pra mim.
          Antes da morte levar minha mãe, ela já não vivia. Serafim abria feridas nela com as palavras pontiagudas que proferia, embora sempre achei que elas doessem muito mais em mim. Mamãe suportava tudo aquilo porque não tinha para onde ir doente como estava e também porque socialmente, na época, determinadas humilhações eram frequentes e deveriam ser toleradas silenciosamente pela mulher que as sofresse. Principalmente se esta fosse negra, pobre e sustentada pelo marido branco. Minha mãe não tinha fala, minha mãe não tinha voz e Serafim era o herói do bairro, ninguém imaginava que ele humilhava a mulher que tinha câncer só pelas supostas traições. Toda vez que ele levantava a mão para ela insinuando alguma agressão física, magicamente se continha e eu agradecia à vida por isso, embora, ele sempre inventava algum motivo para descontar toda sua raiva em mim.
          Contudo eu nutria bons sentimentos por ele, pois era isso que minha mãe cultivava dentro de mim sempre que eu apanhava dele. Porém, naquele momento que ele disse que eu não era seu filho, me senti grato de alguma forma, apesar de estar em choque e um pouco confuso em como seria minha vida dali para frente. Fiquei de certa forma satisfeito por aquele homem que sempre arrumava um jeito de marcar meu corpo com violência, não ser meu pai, embora eu tivesse muito medo do que iria me acontecer.
           O que minha mente tentava expulsar com repulsa, mesmo depois de ver Carmem e Serafim tão próximos várias vezes, veio à tona no momento em que saí no portão com a mochila nas costas e a vi sentada no banco do carona do Hillmann Super Minx, lixando as unhas. Eu interpretei que Carmen se lixava para o que eu estava sentindo também, embora, assim que me viu tentou não me encarar nos olhos, parando imediatamente a ação.
           No caminho, ele me contava as estapafúrdias – era essa a palavra que ele usava com ênfase e muito ódio – que minha mãe fazia quando ia para Sergipe. Serafim contava com detalhes todos os casos de minha mãe, que segundo ele, foram relatados por Carmem. Ela balançava a cabeça confirmando cada mentira, que na verdade, haviam sido primeiramente inventadas por ela. Eu tratava de limpar veloz e audaz cada lágrima que insistia em descer, como se fosse proibido que elas caíssem, até que elas rolavam muito mais ligeiras que minha rapidez em enxugá-las.
           Eu não conseguia lembrar da minha mãe assim. Eu sabia que ela amava Serafim. Sabia, sim. Quando eu chorava reclamando para ela que eu o odiava, ela sempre dava um jeito de defendê-lo dizendo que na verdade ele era um homem bom. Entendi que minha mãe era grata a ele por algum outro motivo que acabou se confirmando assim que ele parou o carro em frente ao abrigo. Serafim descarregava as palavras como quem atira um fardo ao chão:
          – Sua mãe nem sabia se você era meu ou do tal do banqueiro que comeu ela lá em Sergipe. Agora se você é filho do banqueiro, do padeiro eu não sei. Meu filho é que você não é. Só te aceitei porque ela foi e será a única mulher que amei nessa vida – Carmem tremeu e fez uma expressão enojada seguida por um ódio estampado em cada linha de seu rosto quando ouviu essa última frase.
          Minha mãe sentia-se grata por Serafim cuidar de um filho que ela não tinha certeza se era dele. Por isso, ela o qualificava como um homem bom? Minhas certezas estavam fragilizadas, a não ser por saber que enquanto viveu, minha mãe havia me amado. E saber disso me bastou ou me confortou naquele momento funesto.
           Passei a adolescência planejando minuciosamente em minha mente uma morte bem dolorosa para Carmem e Serafim.
          Até que depois de longos anos, mais precisamente 31 anos, 3 meses e 17 dias, recebi uma ligação de uma senhora que parecia um pouco idosa pela voz. Ela pedia para atende-la à porta pois estava no meu portão. Eu reconheci pela minha intuição, sempre soube de alguma forma que aquele momento iria chegar.
          Carmem mal conseguia andar. Fez menção de me abraçar, mas conteve-se mostrando que sua sensatez não havia se esvaído com a beleza da sua juventude.
          Quando eu a permiti entrar, ela olhou meu apartamento com o mesmo desdém que contornou o olhar em volta do prédio do orfanato que Serafim me levou há alguns anos atrás. O que Carmem levou aos meus ouvidos foi ainda mais terrível que eu imaginava. Cresceu em mim um misto de gratidão pela verdade e pela dor de tê-la ouvido, embora minha alma ficaria novamente marcada pelo relato de uma nova violência que mamãe sofrera. Eu tremia por dentro e por fora contorcendo meus músculos internamente enojado com o que ouvia.
          Contava que em Sergipe havia um banqueiro apaixonado por minha mãe desde a época em que elas eram mais moças. Uma noite, ele foi procurar por ela assim que soube que ela voltou à Ribeirópolis, na cidade em que morava meus avós e minha mãe disse ao sujeito que não a procurasse mais porque havia se casado. Já apaixonada por Serafim, armou uma forma de mamãe ficar sozinha com o tal do banqueiro e segundo as informações do homem, eles teriam se relacionado. Mamãe confirmou a história e foi obrigada por Carmem a repeti-la à Serafim assim que descobriu que estava grávida um mês depois.
           – Eu não conseguia pensar em outra coisa, a não ser em ter o amor que Serafim dedicava à sua mãe todo pra mim – minha voz sumira, eu simplesmente fui incapaz de dizer uma única palavra – Serafim nunca deixou de amar sua mãe, ele só me quis quando ela morreu. Nós nunca fomos amantes – eu não consegui acreditar nessa última parte – ele só tinha olhos pra ela e eu nunca fui amada por ninguém. A inveja é algo macabro. Eu amava a sua mãe, foi ela que me permitiu morar lá no Rio com vocês – eu me levantei e ela se recolheu com medo do que eu poderia fazer. Serrei os punhos e minhas veias ficaram saltadas. Mas o pior ainda estava por vir. Quando eu me acalmei e me sentei para que ela pudesse terminar o seu relato, ela disse que precisava reparar os erros e que precisava de perdão porque conviver com aquela culpa a fez adoecer como adoeceu minha mãe – Sua mãe não traiu Serafim, o banqueiro a usou com força, entende?
            Lembro que minhas mãos foram à cabeça e eu fiz um esforço grande para não gritar. Minha vontade era de pegá-la pelo braço e enxotá-la do meu apartamento.
          – Você não imagina o quanto isso me dói – ela prosseguia sem que eu fosse capaz de encará-la, era como se meu semblante pudesse se petrificar ao encarar a monstruosidade que era Carmen contando todas aquelas humilhações a qual submeteu minha mãe.
          “Não, sua estúpida! Minha mãe morrera de câncer e fui abandonado pelo cara que eu achava que era meu pai até então, descobri que minha tia fez de tudo para destruir a minha família e descobria que era fruto de um estupro. Não! Isso doía infinitamente mais em mim.” pensava atormentado.
          – Ela me falou isso com muita vergonha dias antes de partir e me fez prometer que eu jamais contaria a alguém. Eu nunca fui capaz de dizer isso a Serafim porque eu o amava cegamente. Era, era algo... macabro! – repetiu como se com aquele termo pudesse transferir sua culpa para um outro ser.
          Não consegui dizer nada àquela mulher aos prantos à minha frente. Carmem tentava, como se fosse possível, justificar que fazia o possível para  destruir o casamento de Serafim com minha mãe por ela ser a filha mais amada por meus avós e que o que mais a motivou foi a inveja, principalmente pelo amor que Serafim tinha por ela, por ela ter uma família.
          Carmen jamais saberia identificar meu timbre de voz, pois eu fui incapaz de dizer algo, embora meus pensamentos estivessem gritando, minhas cordas vocais estavam paralisadas. Desde a época em que estava no carro indo para o orfanato, não precisava mais do esforço de conter as lágrimas, pois, após aquele dia, elas não mais caíram. Eu só fiquei longos momentos com a cabeça baixa tentando entender o motivo de minha mãe ter sofrido tanto.
           Quando percebi que ela havia terminado seu relato, simplesmente levantei-me, abri a porta expulsando-a do mesmo ambiente que eu e, assim que ela atravessou a porta, estendeu a mão para mim e me deu um papel que estava dobrado. Fechei a porta sem me despedir e desejava pôr fogo naquele apartamento em que Carmem colocou os pés, recolher aquele papel de suas mãos, era um esforço descomunal, no entanto, eu fiquei refletindo por dias no conteúdo que ele trazia.
            Até que alguns meses se passaram e eu tomei uma decisão. A mais difícil da minha vida e, parado em frente à casa de repouso, fiquei longos minutos ali parado conferindo o endereço e me perguntando se aquilo estava certo ou não. Serafim não iria ter o fim que eu havia planejado para ele. 
            Levou alguns meses para que eu o trouxesse para São Lourenço. Carmem que era sua esposa, assinou os papéis o liberando para passar o resto dos seus dias com a pessoa a quem ele desprezou. Foi uma missão quase impossível e eu não sei o motivo de eu ter lutado tanto por isso. Serafim não andava, não saía da cama e se alimentava pela sonda. Não era mais belo e forte como antes, eu jamais iria maltratá-lo como ele me maltratou. Eu nunca iria abandoná-lo como ele me abandonou. No dia em que eu o trouxe para casa, eu transpirava tanto que desconfiei que não era suor, mas lagrimas que saiam pelos meus poros já que eu as havia segurado por tanto tempo. Para Olívia, ele era apenas o ex marido da minha mãe. Então ele fez alguns exames de sangue e eu fiz um novo pedido. Teste de paternidade. Levava agora o resultado positivo para Olívia. Serafim era meu pai.

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Deslocamento: Em psicanálise é um mecanismo de defesa que está relacionado a uma troca no sentindo que uma dada representação muda de lugar e passa a ser representada por uma coisa ou uma pessoa.
 

03/12/2016

O excesso de estudos pode ser tão prejudicial quanto a falta

Fonte: neafconcursos.com


         

          Você pode construir o seu conhecimento ainda que sem muitos recursos e obter todos os recursos possíveis à partir do conhecimento que adquiriu. É só saber usá-lo e aplicá-lo. Não precisa de sorte. Só disposição e empenho. Vale a pena investir em conhecimento! Mas muito cuidado com a frequência com que isto é feito, pois, tudo que é praticado em demasia pode trazer respostas psicológicas indesejáveis. Tudo o que ativa a sensação de prazer e/ou que é feito em excesso, pode constituir-se em um ato compulsivo e, por isto, danoso, seja a alimentação, o uso do álcool, da internet, a prática de esportes, games, sexo ou a busca pelo conhecimento.
          Uma professora contou que voltava para casa depois de sair da escola e assim que chegou na rua em que morava, ela não sabia qual era sua casa mesmo tendo morado lá há muitos anos. Indo de uma esquina a outra várias vezes, uma vizinha a parou e questionou o que ela estaria procurando. Muito confusa ela respondeu que não sabia como chegar em casa porque havia esquecido onde morava.
          Ela não era uma pessoa idosa, era uma pessoa saudável e nunca havia demonstrado problemas até então. Isso ocorreu quando ela estava na faixa dos seus 16 anos. A vizinha a levou para casa e informando à sua mãe o que havia acontecido, levaram-a no neurologista e quando este questionou toda sua rotina diária, deu-lhe a seguinte prescrição médica:
          "Pare de estudar!"
          Um adolescente que ainda não entenda a importância dos estudos, receberia as palavras do médico com grande satisfação, mas a menina que não fazia nada mais além disso, viu-se obrigada a ter de repetir o ano letivo, porque até de ir para a escola naquele ano, foi proibida.
          Na triagem de atendimento psicológico com os estagiários de um curso de psicologia, ouve-se o seguinte relato durante a supervisão: Um rapaz passa a questionar tudo à sua volta, não consegue mais acreditar e confiar em ninguém e isso o deprime porque todas suas certezas se esvaíram e ele sentia-se desfragmentado a tal ponto de não mais saber quem ele mesmo era, de não ver mais sentido em nada, de estar em profunda angústia e sofrimento. Após apaixonar-se pela abordagem existencialista, o jovem passou a dedicar-se integralmente a pesquisar esta área do conhecimento e tinha mais tempo de pesquisa do que em seu curso superior de filosofia, já se sentia sem rumo a muito tempo e obteve uma enorme desconfiança de tudo: religião, amigos, família... Como tudo começou? Quando ele se aprofundou em seus estudos. O auxílio de um psicólogo foi um pedido de socorro de sua tia. O rapaz vê o irmão empenhado em estudar filosofia e teme que o mesmo lhe aconteça.
          Estão aí dois exemplos de que nada! Absolutamente nada em excesso é bom para o ser humano. Nem os estudos.
          Administrar o tempo inclui atividades diversificadas. Passar horas fazendo uma mesma atividade é prejudicial ainda que seja uma atividade considerada saudável.
          O especialista em vícios e professor da UnB, Raphael Boechat, citado por Danilo Alves, alerta para os malefícios que o excesso pode causar, como o isolamento social. Ele ressalta que para evitar esses problemas, é preciso achar um meio termo, mas geralmente o indivíduo não percebe que está exagerando. É preciso que alguém mostre o problema.
          Se a falta de estudos é um problema, o excesso também pode ser. Pecar por excesso, neste sentido também não é uma boa, principalmente se a pessoa não tiver um objetivo para ser alcançado em um espaço de tempo como passar em uma prova para concurso público, vaga de estudos em uma instituição de ensino, etc.
          Dedicar-se a estudar em um determinado período para alcançar um determinado objetivo e abrir mão de algumas rotinas costumeiras e diárias, bem como privar-se de sair aos fins de semana e feriados, pode ser normal até certo ponto, embora, quando se estende demais este período de forma que a pessoa não consiga fazer outra coisa além de estar entre os livros, apostilas e pesquisas, deve se tomar muito cuidado.
         Estudar em excesso pode se tornar um ato compulsivo e este constitui-se em uma fuga da realidade. Foge-se da realidade quando é buscado esquivar-se de enfrentar um determinado problema ou elaborar uma frustração.
          Segundo Ballone, comportamentos compulsivos são hábitos seguidos por alguma gratificação emocional, normalmente um alívio de ansiedade e/ou angústia. Não há uma causa bem estabelecida para a ocorrência de comportamentos compulsivos. Pode-se falar em vulnerabilidades e predisposições, seja de elementos familiares, tais como os hábitos consequentes à extrema insegurança e aprendidos no seio familiar, seja por razões individuais e relacionados às vivências do passado e a ao dinamismo psicológico pessoal, seja por razões biológicas, de acordo com o funcionamento orgânico e mental. Assim, comportamentos compulsivos podem ser entendidos como atitudes de enfrentamento da ansiedade e/ou angústia, trazendo conseqüências físicas, psicológicas e sociais graves.
          A qualidade dos estudos não está ligada à quantidade excessiva de tempo que se investe nele, mas à elementos que são priorizados quando ele é realizado: Ambiente iluminado, concentração e atenção, técnicas e métodos mais eficazes para uma determinada pessoa, planejamento, objetivo e dormir com qualidade, pois o sono é imprescindível para quem estuda, através dele há a produção de melatonina, responsável por um sono reparador que é onde as memórias vão ser armazenadas no hipocampo, por isso, estudar antes de dormir também é eficaz.
           Além do cansaço mental que acarreta problemas psicológicos, estudar em excesso pode trazer danos físicos também, uma vez que a pessoa fica muito tempo em uma única posição, além de ter cansaço visual, pois os músculos ciliares estarão trabalhando muito durante a leitura. O equilíbrio é a chave para tudo na vida, ser um studenholic pode levar o indivíduo literalmente à loucura se ele não organizar seu tempo e souber dividi-lo também entre a família, lazer, trabalho, entre outras atividades.

            

REFERÊNCIAS:


ALVES, Daniel. Viciados em estudos passam até 14 horas por dia entre os livros. Disponível em: http://jornalismo.iesb.br/2015/05/23/viciados-em-estudos-passam-ate-14-horas-por-dia-entre-livros-e-apostilas/. Acesso 27 de novembro de 2016.


BALLONE, Geraldo J. Comportamentos Compulsivos. Disponível em: http://www.cerebromente.org.br/n15/diseases/compulsive.html, Acesso em 27 de novembro de 2016.

03/10/2016

Silêncio

"Amor e tosse, impossível ocultá-los"

(George Herbert)


          Seu carro estava estacionado próximo a um bar. Parada em frente ao portão da escola aguardava para atravessar. Fez o impossível, mas não conseguiu conter um sorriso ao vê-lo encostado em seu carro a esperando com as mãos nos bolsos e o uniforme da escola.
– Será que você me perdoa? – ela fez uma expressão de incompreensão quando ele perguntou – O imprevisto no trabalho fez com que eu perdesse a melhor aula do mundo. E eu podia fazer de tudo, menos deixar de vir aqui te ver. Liguei várias vezes, mas seu celular estava desligado. Queria muito te ouvir.
– Meu celular estava fora de área – dando uma desculpa qualquer, olhava insistentemente para os lados.
– Então eu devo processar a operadora por me deixar desfalecer sem a cura da tua voz.
Não esboçou nenhuma reação ao que ele falara. Deu às costas, destravou o alarme do carro, abriu a porta do carona deixando os livros e a pasta no banco. Ele continuou paralisado seguindo seus movimentos.
– Nos vemos quinta! Tem trabalho pra segunda que vem. É um resumo do capítulo 4 do livro de Chassot. Vale ponto. – falou dando à volta separando a chave de ignição.
Ele foi ágil e posicionou-se bem à sua frente. Abriu a porta do carro para ela e tocou disfarçadamente em seus cabelos, enquanto a fitava nos olhos.
– E eu te dou um ponto se você resumir o que está acontecendo entre nós.
– Lucas, pelo amor de Deus! – falava entre os dentes, desvencilhando-se do toque do rapaz – Isso é coisa da sua cabeça.
– Quem vai te passar uma tarefa agora vai ser eu, moça! Eu só quero uma chance de mostrar que você está errada. Se você não quiser mais e ter certeza de que tudo isso é passageiro, vai ser ponto pra você. Mas se eu conseguir fazer você entender que além de fundamento, o que sentimos um pelo outro não tem fim... Ponto pra mim. Quer jogar? – deu uma piscada.
– Nunca!
– Perigoso demais, não é? Está com medo de perder?  Você não é covarde... Porque não me mostra quem você é de verdade? – a desafiou cruzando os braços, apontando rapidamente o queixo para frente e, esperando uma resposta, deu o melhor sorriso que pôde, fazendo com que fosse impossível a recusa de qualquer coisa que ele pedisse.
– Entra! – ela resmungou de forma seca sem pensar muito, sua racionalidade foi bloqueada com aquele sorriso.
Ele mal podia acreditar, era bem mais do que esperava. Ainda segurando a porta e um sorriso de triunfo, fez um sinal pra que ela entrasse no carro primeiro. Deu à volta, sentou no banco do carona e assim que se acomodou, colocou os pertences dela e a mochila que carregava no banco de trás.
– Quero ter as mãos livre pra tocar você.
– Faça isso e eu jogo o lado do carona com toda força no primeiro poste que eu ver pela frente.
Ele deu uma risada. Estava feliz e sabia que apesar de tensa, ela também estava. Não sabia pra onde ela o estava levando, mas iria onde quer que ela o levasse. Mudos viajaram pouco menos de 4 km. Ele até tentara, mas ela sempre deixava suas perguntas sem resposta, embora se olhavam por todo trajeto, ela, de forma muito mais receosa, com o desejo à flor da pele e o coração apertado.
Como forma de quebrar o longo e duro silêncio, o rádio foi ligado. Tocava uma música romântica e ela rapidamente impulsionou-se para trocar a estação, mas ele a conteve segurando em seu pulso olhando-a nos olhos e cantando junto:
– Sem contar os dias que me faz morrer! Sem saber de ti, jogado à solidão... – ele canta baixinho olhando-a transferindo por seus olhos todo seu sentimento – mantenha os olhos na estrada! Para de tremer! É apenas uma música! – ele brincava com a gangorra de emoções e sentimentos que ela tentava não transparecer, mas que era perceptível, irritada pela seriedade que o rapaz advertiu, ela o obedece e se volta para estrada, colocando as duas mãos no volante, como se ele não estivesse ao seu lado, até seu corpo todo se arrepiar quando um pouco mais alto ele prossegue cantando olhando para ela – eu quero mesmo é viver pra esperar e esperar, devorar você... – ela permaneceu com os olhos fixos na direção, com os sentidos aguçados, a ponto de colidir com as emoções.
Parou em frente à praia, saltou do carro, passou as mãos em torno dos braços e ia em direção à outra calçada sem esperar por ele, caminhando lentamente com os braços cruzados com o pensamento abarrotado de preocupações.
– Será que agora você pode falar comigo? – ele vinha logo atrás carregando a mochila e uma paixão incandescente.
– Psiu! – pediu silêncio, sem retirar o olhar da praia – Estava gostando mais da seriedade no seu rosto do que essa serenidade infantil. Quem ainda sustenta palavras diante da imensidão destes dois céus estrelados? Parece que o mar é uma extensão do céu, as luzes dos veleiros são as estrelas que vieram ver o mar e ficaram presas nas ondas. Não é linda essa paisagem?
– Linda de verdade é a mulher que está agora bem diante dos meus olhos. Eu amo ouvir você, mas não posso me calar agora. Não nesse momento em que estamos sós. Me diz porque você me olha desse jeito? Por que você me instiga assim? A princípio eu pensei que fosse coisa minha, até perceber que eu também te perturbava.
Ela agora olhava para ele enquanto o ouvia. Tentava decifrar seu coração olhando em seus olhos o mais profundo que podia. Continuou em silêncio. Depois, voltando-se para o mar ressaltou interpretando uma frieza no semblante, que ocultava a tristeza da voz:
– Lucas, eu sou sua professora! Isso tudo é muito ridículo. Eu nunca vou poder corresponder suas expectativas. 
– E é a professora mais linda que eu já tive – ele só ouvira a primeira frase. Sorriu delicado. As palavras dela, acenderam nele um desejo ainda maior – eu quero dizer ao mundo o quanto você é importante pra mim, mas... Ninguém precisa saber se a gente tiver junto, se você não quiser. Olha, sempre trago comigo esperando o dia em que eu poderia te entregar isso – tirou a mochila das costas, pegou uma caixinha preta de veludo, na parte da frente. Depositou a mochila ao lado, apoiando-a em sua perna. Sem parar de olhar para ela, abriu a caixinha, revelando um anel. Ela não se conteve. Gargalhou alto, surpresa:
– Lucas, para! Isso deve ter custado caro. Você é louco em achar que pode haver algo entre nós. Por favor, esquece isso! Repito. Isso é ridículo! – recusou a caixa com as mãos, fazendo o semblante do rapaz enfraquecer.
– Você me trouxe até aqui. Você me quer, tanto quanto eu te quero e isso basta! Eu sinto isso sempre que nossos olhos se encontram.
Curvou-se, pegou a mochila novamente, abriu-a. Retirou um caderno de desenhos. Na primeira página, tinha um desenho dela.
De forma mais contida ela ria agora da inocência e graciosidade do rapaz.
– Sou eu em mangá? – ela puxou o caderno de suas mãos. Ele tentava estudar as expressões dela enquanto olhava os desenhos tentando reconhecer algum traço que poderia denunciar uma possível satisfação, mas o semblante de Priscila permanecia o mesmo, até que seus olhos brilharam por alguns segundos, mas ele não percebeu, uma vez que ela meneou a cabeça fechando o caderno abruptamente.
Ele detestava o silêncio dela. Talvez por amar demasiadamente a forma com que ela se expressava. Silenciou também. E agora se empenhava em ouvir o som de sua respiração e do sorriso que ela esforçava-se para conter. Tocou em seus braços sem tirar o olhar dos seus cabelos, depois, sem muito sucesso, buscando encontrar seu olhar, ele pronunciou:
– “...Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te, como um cego...– ela abaixou o olhar, olhava para a calçada à seus pés. Ele continuou um trecho de outro poema:
 – “...Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,
são eternos como é a natureza.”
Chega de me comprar com Neruda! – sorriram juntos. Encararam-se por um bom tempo – Que horas você tem que estar em casa?
Não tenho que estar em casa, tenho que estar com você.
Ela se voltou para ele aproximando-se:
Ok! Só essa noite, Lucas! Mas não quero seu presente. Guarda para uma namoradinha.
Priscila, por quanto tempo mais você vai deixar de acreditar em mim?   ele irritou-se com o desdém que ela falara  Porque você vai deixar de acreditar em nós? Você não está negando uma chance a mim, mas a si mesma. Você sabe que isso não começou ontem, nem semana passada, nem mês passado... Se quiser, eu saio daquela droga de escola! Você não é assim tão mais velha que eu e eu não sou um aluninho seu da pré-escola – ele agora falava firme. A olhava nos olhos e não deixava sua face cair enquanto a fixava, sustentando-a com a ponta de seus dedos.
Ela esforçava-se para fazer expressão de incompreensão. Torceu os lábios e murmurava desvencilhando seu olhar para outros lugares enquanto ele falava. Batia os pés como se o que ouvisse a incomodasse profundamente ou como se não aprovasse o que ele dizia. Soltou um suspiro, tirou as mãos dele de seu queixo, revirou os olhos e sarcasticamente perguntou:
– Acabou?
– É necessário ser tão racional? – ele continuava não ligando para seus gestos e expressões – O que eu sinto é muito intenso. Eu te quero muito!
Prisccila silenciou os gestos e suspiros falsos, embora incapaz de o encarar mantinha os olhos fixos no mar. Ao contrário do que tentava demonstrar, mais do que tudo, ela desejava não acreditar no que ele falava. Mas cada palavra de Lucas acertava seu coração rachando a resistência que ela tentava em vão, manter intacta – Eu sei que você me quer do mesmo jeito intenso do qual te quero. Eu posso ver isso só de olhar agora pra tua pele que queima de satisfação e desejo por estar comigo. Não fuja dos meus e dos seus sentimentos, Priscila.
Vamos voltar! – ela apelou quase suplicando com um embargo na voz.
Não! Se é a última vez como você diz, quero contemplar a lua ao teu lado.
Mas uma vez em silêncio, ela moveu-se em direção a areia da praia, dando a entender que havia consentido a proposta dele. Estava calada por fora, mas em seu interior gritava aflita de paixão. Sentou-se estendendo as pernas na areia a acariciando com a ponta dos pés e o calcanhar. Ele sentara-se ao seu lado. Tinha verdadeira veneração por seus cabelos, os quais foram profundamente afagados assim que ele se acomodou ao seu lado. Ele o havia desenhado tantas vezes... Extasiado pulsava seu coração na necessidade de reproduzir seu olhar refletindo o luar.
 Em minhas veias transpassam e se afloram a essência de tuas vontades. Incitando em mim, a ânsia de cumprir a ordem daquilo que desejas – soprara em seu ouvido a abraçando suave.
Estes não são de Neruda!
Não! São seus.
Meus?
Sim! Os escrevi pra você...
Lucas! ela o interrompeu preocupada – Precisamos voltar. Disse à minha mãe que chegaria cedo.
Avise a ela que você está comigo. E que não há perigo – disse ironicamente esforçando um sorriso de bom menino – parece um sonho estar assim tão perto dela.
– Dela quem?
– Da sua boca. Já a desenhei tantas vezes. Essa aproximação só acontecia nos meus sonhos. Estar assim tão próximo do meu objeto de desejo está me deixando eufórico.
Eufórico não seria bem a palavra, não é? sorriem – Precisamos mesmo voltar. O vento está soprando muito alto e forte. Essa melodia prediz chuva. Mas, qual é mesmo a sua proposta? É muita intensidade pra um romance só. Meu coração não está protegido contra todas essas investidas de paixonite aguda de sedutores de plantão. Isso deveria ser crime com pena perpétua. 
– Não seja tão dramática! – riu-se  E pela tortura que você está fazendo comigo, também deve apoiar pena de morte. É uma delícia saber que eu te desestabilizo. Olha... – faz com as mãos um sinal para que ela espere, fica em pé bem à sua frente e pega no bolso na calça um molho de chaves – essa aqui quadradinha é a chave do portão da minha casa, essa mais redondinha, está vendo? É a do portão da frente. Já essa vermelhinha é do cadeado do armário do meu trabalho... Mas essa aqui, ó... – ele retira uma chave pequena do chaveiro, entrega em uma de suas mãos, e a fecha segurando firmemente, sem deixar um segundo de olhar em seus olhos – Essa é a chave do meu coração. É pequena e frágil bem como o local no qual eu desejo que você se instale, embora, você já o tenha invadido sem me pedir permissão.
Ele vencera, Priscila sabia. Levou as mãos fechadas ao peito segurando a pequena chave que ele com todo carinho simbolizou como a chave de seu coração. Não consegue conter-se e levantando, apoiada nas mãos de Lucas o abraça forte.
Isso é uma breguice, você sabe, não é?! – solta-o olhando fixamente nos olhos do rapaz –  Mas não consigo mais cogitar se isso é certo ou não, – seus olhos encheram-se de lágrimas – eu precisava tanto fazer o que é certo, mas... Não tenho mais forças! Acho que você treinou horas pra me enlouquecer falando desse jeito. Mas saiba que, desde o primeiro momento em que eu te olhei há alguns meses atrás, saberia que você me daria um trabalho enorme. Mas nem poderia imaginar que eu me apaixonaria assim, nem que seria digna de tamanha admiração.
– Então, só por uma vez... Diz que me quer? – ele pediu com um sorriso que ela não teria condições de recusar.
Garoto, garoto...!
– Psiu! – a calou pondo uma de suas mãos em sua boca – Vou te provar que sou muito homem.
Em um movimento abrupto e instantâneo ele a segura pelo pulso e a puxa para si. Os olhos dela se arregalam de espanto e surpresa. Fez impulso para desprender-se, mas ele a segurou com mais força. Ela chamou por seu nome, revestida de desejo, mas não saiu som. Ele leu seus lábios e, sem tirar os olhos deles, tateou seu punho bem devagar chegando em suas mãos entrelaçando seus dedos aos dela. Ela não mais resistia. Ele a envolveu em seus abraços apertando sua cintura com firmeza, trazendo-a cada vez mais para si.
Com um misto de paixão e medo, o coração aos pulos, ela colocou suas mãos sobre os ombros dele e o abraçou descansando a face sobre seu ombro direito. Chorava. Ele sabia que sim. Podia sentir suas lágrimas molhando seu ombro. Afastou-a, limpou uma lágrima com um beijo. Limpou outra também. Curvou-se e finalmente a beijou. Ele a levantou deixando seus pés suspensos no ar. Ela sentiu-se flutuar. Uma lágrima rolou agora pela intensidade do momento. Ela pôde sentir algo quente e úmido tocar seu rosto. Ele também chorava. Ela o beijou com mais paixão e por um longo tempo, suas línguas, corpos e mentes continuaram entrelaçados, até que o dia amanheceu.




28/08/2016

Lembranças, vivências e lições

            Na minha infância e um pouco depois dela, tive amigas maravilhosas com as quais me divertia bastante, era um tempo em que se ria muito e de tudo. Com algumas eu tentava imaginar como seria quando estivéssemos bem velhinhas, era impossível nos imaginar separadas. Em um belo dia de sol, estaríamos nos divertindo em uma enorme piscina de uma mansão no exterior com algumas crianças de nomes estranhos, ao lado de algum bonitão como o Leonardo DiCaprio ou o Johnny Depp que integravam a lista de "boys magia" da nossa época. A tabuada não estava tão na ponta da língua como as letras de músicas das nossas bandas favoritas, não éramos tão boas em inglês mas amávamos cantar e dançar "If you wanna be my lover..." ou "everybody, yeah!" Com outras amigas eu passava a madrugada inteira conversando sobre os problemas que eu achava que tinha, do nosso futuro cheio de dinheiro ou das nossas paixonites por algum professor, artista de TV ou boy band.          

          Brigávamos por qualquer motivo, para logo depois fazer as pazes e voltarmos a nos falar como se nada tivesse acontecido. Tudo era mais fácil e natural. Mas, a maturidade - se é que se pode chamar assim - nos tira essa virtude. A virtude da cicatrização das mágoas de forma imediata. Isso é simplesmente sublime! Não existe nada mais incrível e belo do que essa capacidade infantil do perdão espontâneo. É muito fácil para as crianças e pesado demais para nós adultos que somos considerados emocionalmente maduros. Toda criança tem um dom especial igual ao que o Wolverine possui. Só que o anti-herói tem o poder de regeneração dos tecidos e órgãos físicos instantaneamente, enquanto as crianças têm o dom de cura súbita das mágoas e de restaurar a confiança daquilo que ficou abalado. Elas podiam nos ensinar como faz.        

          Algumas eram minhas "melhores amigas para sempre" com as quais eu passava grande parte do meu tempo, que tinham acesso aos meus diários e segredos, que sabiam tudo sobre mim e em meus aniversários me escreviam ou diziam palavras jurando amizade eterna, mas que hoje nem sei onde moram, o que fazem, como e com quem estão. Porque de alguma forma amadurecemos, porque as pessoas mudam, porque existem outras prioridades (in)felizmente.

          Uma vez eu conversava com uma amiga exatamente sobre esse assunto e ela me disse: "Puxa! Acredito que não há nada pior do que ver um amigo virar um estranho. Perder um amigo na vida, é algo muito ruim". Ela me disse isso justamente em uma semana que eu estava refletindo sobre a passagem de pessoas que foram importantes na nossa vida em um dado momento e eu disse a ela que existia algo pior, sim! E então comecei a contar a história da minha amiga Priscila. Uma amizade que se consolidou quando eu já estava bem distante dessa fase que cito no início.

          Priscila foi uma professora que havia se tornado uma grande amiga e nós nos comunicávamos sempre que podíamos. Ela havia travado uma batalha contra o câncer e havia vencido. Assim que fui visitá-la para celebrarmos esta conquista, ela me falava de todo o seu processo, das lutas que passara com a doença e da alegria de ter sido curada. Nunca a tinha visto chorar neste tempo em que ela estava em tratamento, o sorriso fazia parte do seu rosto todas as vezes que eu a via. E com uma alegria incrivelmente mais intensa, ela me recebeu em sua casa e me falava da última novidade de sua vida após a cura do câncer: O seu casamento dali a alguns meses.

          "Toca aqui no meu seio, Eliz! Tem um caroço" - ela me disse com uma expressão serena um pouco antes de eu ir embora - "Mas o médico disse que não há de ser nada, só que devo fazer alguns exames." Era uma proeminência do tamanho de uma cereja, mas estávamos tão efusivas com as novidades que não tínhamos espaço para grandes preocupações naquele momento. 

          Algumas semanas se passaram depois desse dia e eu não tive mais contato com a Priscila por conta de ter perdido o meu aparelho de celular e não ter mais os números dela em nenhum lugar. Eu frequentava muito o bairro onde ela morava, era um bairro comercial chamado Vilar dos Teles situado em São João de Meriti aqui no Rio, onde ela morava com sua mãe. Logo depois ela casou-se tornando nossos desencontros mais frequentes, pois, mudou-se para Sumaré. Sabia algumas poucas coisas sobre ela de forma indireta, pois, já que ela não me procurava, eu também fazia o mesmo. Afinal é aquela história: "Quem não te procura, é porque não sente sua falta." Não é verdade? Nem sempre.

          A maratona da vida impedia-me de tentar vencer o orgulho de ter tempo em procurá-la. "Vou esperar que ela me procure." Afirmava a mim mesma quando passava em frente a casa da sua mãe. O pensamento de chama-la à porta e perguntar pela filha nem me vinha à mente uma vez que eu retribuía o interesse da mesma forma que eu julgava que ela fazia a mim. Mas na verdade eu sentia muito sua falta. A admirava por ela ter sido uma pessoa que fez diferença na minha vida me ensinando um outro idioma, me aproximando para a sua vida quando ainda era minha professora, me ensinou principalmente que precisamos nos fortalecer frente aos problemas mais difíceis da nossa vida e enfrentá-los com otimismo.

         Em uma noite de sábado, fui acessar minhas redes sociais. Fazia exatamente um ano que não nos falávamos, fazia aproximadamente nove meses que ela havia se casado. Eu sempre quis saber como ela estava, como estava na sua nova casa, se ela já havia voltado a lecionar, eu esperava notícias dela sempre, um sinal, uma ligação, uma mensagem, quaisquer informações... Mas eu era orgulhosa demais para buscá-las. E naquela noite as notícias chegaram. E foi um tipo de notícia que eu não esperava receber. Amigos que tínhamos em comum, me entregavam agora informações das quais eu jamais poderia ter imaginado: A notícia do velório da Priscila que aconteceria no dia seguinte... Aquele nódulo que eu havia tocado um ano atrás anunciava a volta de um novo câncer e mais uma batalha foi travada contra ele no momento em que eu cheia de orgulho, fiquei distante dela.

          Não adianta nada chorar por remorso, certo? Mas foi o que eu fiz. Chorei também de uma saudade que não será amenizada nunca e, enquanto eu me dissolvia em lágrimas cresceu em mim um forte desejo de abraçar todos os meus amigos. Principalmente aqueles que eu vivia marcando encontros que nunca iriam acontecer.

          Linda, minha amiga descansava curiosamente com o sorriso de sempre. Isso é algo que jamais vou esquecer. Quando fui abraçar sua mãe, aquela que eu passava em frente à casa todas às vezes que ia à Vilar dos Teles, ela me disse algo que eu também nunca vou esquecer e que deixou-me ainda mais triste por meu afastamento nefasto quando uma de minhas amigas passava mais uma vez por um momento complicado: "Querida, porque você sumiu? Minha filha perdeu os seus telefones e vivia perguntando por você. Cadê aquela minha amiga, mãe? Aquela que vinha aqui em casa? Mas eu não podia fazer nada. Eu também não sabia onde te encontrar... Como te procurar..." Eu só fui capaz de pedir desculpas e abraçá-la com lágrimas nos olhos contendo os soluços. 

          E depois de contar essa história à amiga que me falou que não havia nada mais triste do que perder um amigo na vida, eu disse que pior do que perder um amigo na vida, era perdê-lo para a morte. Quando ficamos mais velhos, deixamos de procurar nossos amigos com a mesma avidez que os procurávamos quando mais jovens para termos alegria e satisfação de estarmos ao seu lado ou dá-los a alegria de auxiliá-los no que precisarem, deixamos de passar preciosos momentos ao lado de pessoas que nos fazem felizes ou de fazê-las felizes, pois, estamos fadigados de atividades e responsabilidades. 

          Enfim, é muito raro eu marcar algo em que eu não vá estar presente, é muito raro eu não exaltar o valor que cada amigo tem pra mim. Contudo, apesar de todo esse fato com a Pri, ainda preciso aprender a não mais "matar" pessoas estando elas ainda bem vivas em minha memória, pois, depois que elas morrerem de fato, não há o que fazer. A Priscila se foi e, como uma boa docente continua me ensinando. Gratidão!





18/08/2016

Acreditar - Vital combustível para Crescer






O ato de desenvolver-se fisicamente flui a partir do nascimento

Mas para desenvolver o intelecto, deve-se buscar crescimento

E buscar crescer é entender que em seu ser é preciso ativar

Uma atitude simples, bela e positiva que se denomina: Acreditar


Ativada, seus efeitos desencadeiam uma série de bons acessos

É a chave que dá-nos ingresso à chance de progredir e ter sucesso

Acreditar em si, na vida e nos sonhos te faz alcançar o impossível

Esta atitude é uma virtude e, exercitá-la se tornou imprescindível


Seja no amor, em um mundo melhor, em Deus ou na humanidade

Ouça, pesquise, reflita, para assim acreditar com certa criticidade

Sem precisar desaprender a alçar voos nutrindo simples fantasias

Mas cientes que dedicação e trabalho garantem reais conquistas


Diante de momentos cotidianos costumeiramente tão adversos

Que há superficialidade e os relacionamentos são complexos

Mais que uma chave, acreditar se tornou um vital combustível

Modifica o conformismo fazendo crescer...  Um ser indestrutível!

Música: Mais uma vez / Renato Russo - Legião Urbana

17/08/2016

Escrever, um vício



As palavras saltam tal como sai subitamente o singulto. Assim como este se caracteriza em uma contração espasmódica involuntária, o ato de transcrever meus pensamentos também o é. Na verdade, mesmo que minha mente esteja desabitada de ideias, meus dedos saem rabiscando alguma letra. É que escrever me é tão vital quanto respirar.



08/08/2016

Acolho teu olhar


01/08/2016

É errado rir de quem fala "errado"

"Os seres humanos nascem ignorantes, mas bastam anos de escolaridade para que eles se tornem estúpidos."
(George Bernard Shaw)

Clínico Geral que trabalhava no Hospital Santa Rosa de Lima em SP zomba de paciente nas redes sociais e é demitido.

        Um médico de um hospital localizado no interior de São Paulo, em  Serra Negra, zombou de um paciente pobre que falou de forma (in)correta as palavras pneumonia e raios x. Muitos dos comentários em sua postagem, reforçavam a piada feita pelo médico que só retirou a postagem quando o acompanhante do homem que falou tais palavras fez um comentário afirmando que o senhor em questão, possui uma fala humilde por não ter tido estudo e que ficaria bastante entristecido se soubesse que serviu de chacota. 
          É pela língua que o mundo acontece. Não existem os falares errados, o que existem são falares diferentes. Da mesma forma como o ser humano está em constante processo de mudança, e também o mundo está sempre mudando, a língua também varia. Desse modo, precisamos entender que a língua deve servir sempre como fator de aglutinação social e não de discriminação e exclusão (SANTOS, 2012).
          Sabe aquelas pessoas que falam bicicreta, craro e probrema? Isso é uma característica de dislalia. A dislalia é um distúrbio da fala, caracterizado pela dificuldade em articular as palavras. O dislálico omite ou acrescenta fonemas, distorce-os ou troca-os. A dislalia pode ser causado por perturbações orgânicas ou funcionais. A primeira refere-se aos problemas de má formação das inervações da língua, da abóbada palatina e de qualquer outro órgão da fonação ou devido a uma fissura no lábio, o que se conhece como lábio leporino. Também pode ser devido a um freio lingual muito curto ou muito grosso. A Dislalia Funcional tem a ver com hereditariedade, imitação e/ou alterações emocionais. Ocorrendo um déficit na discriminação auditiva e déficit na estimulação linguística além de ser mais comum em crianças hiperativas. A ignorância sobre o distúrbio leva as pessoas que o tem, a sofrerem bullyng. Os "erros" da fala para a escrita também são comuns, por isso, a criança dislálica muitas vezes tem problemas educacionais por conta da escrita. É necessário um tratamento fonoaudiológico e  isso requer recursos financeiros para realizá-lo.
          O paciente atendido pelo médico foi um um mecânico de 42 anos, não se pode afirmar que o senhor pode ter um quadro de dislalia, mas o que eu quero enfatizar é que nós não temos o direito de julgar o comportamento do médico que riu do senhor uma vez que muitas vezes fazemos o mesmo com os "erros" alheio. Ocorreu um pedido de desculpas por parte do médico, não sabemos se foi por pressões sociais, por receio de possíveis processos ou por arrependimento mesmo. Em muitas postagens e notícias que foram feitas em crítica a este caso, o médico foi acusado de faltar com ética e ter sido preconceituoso. Mas frequentemente internautas compartilham postagens nas redes sociais que ridiculariza quem fala errado, então não é compreensível o motivo da revolta ou do fingimento dela. 
          Somos pessoas incoerentes e contraditórias, agimos muitas vezes como o doutor agiu. Fazemos chacota de quem fala errado. Passou da hora de entender que o que importa não é a forma de como se fala, mas o fato de sermos capazes de nos comunicar. Não existe certo ou errado quando se trata de comunicação. Você entendeu o que foi dito mesmo que tenham dito errado? Então não amole! Corrija, com humildade e não humilhe. Falar errado só está errado quando o receptor não compreende a mensagem. 
          A linguagem coloquial difere da norma culta e esta é imprescindível para a prática da escrita, contudo o português é uma língua linda, porém cheia de complexidade e, ter um vocabulário escorreito não é tão simples.
          O padrão de uma linguagem é a comunicação e o que existe é o falar de acordo com a imposição de uma classe social dominante para discriminar socialmente as pessoas. Porém, é certo que o português, o espanhol, o francês, o romeno e o italiano nasceram do "falar errado" o latim clássico. Se a ralé não falasse "errado" o latim clássico, tais línguas não existiriam (Toledo (Pr), abril de 2007).
          É errado rir de quem fala "errado". O médico fez o que muita gente faria, inclusive a zombaria em rede social. É feio rir dos outros. O doutor ganhou uma justa causa. Espero que agora ele tenha aprendido. Espero que agora nós tenhamos aprendido.

Referências:

CLUBE DA FALA - Oratória e Fonoaudiologia. Dislalia (Troca de letras). http://www.clubedafala.com.br/fonoaudiologia/dislalia-troca-de-letras/. (Acesso em 01 de Agosto de 2016).

SANTOS, João Cabral Rodrigues. Existe falar certo e falar errado? Variedades linguísticas no Brasil. http://www.junipampa.net/2012/11/existe-falar-certo-ou-falar-errado_22.html. (Acesso em 30 de julho de 2016).

TOLEDO (Pr), abril de 2007. Falar certo e falar errado. http://acslogos.dominiotemporario.com/doc/FALAR_CERTO_E_FALAR_ERRADO.pdf. (Acesso em 30 de julho de 2016).