28/08/2016

Lembranças, vivências e lições

            Na minha infância e um pouco depois dela, tive amigas maravilhosas com as quais me divertia bastante, era um tempo em que se ria muito e de tudo. Com algumas eu tentava imaginar como seria quando estivéssemos bem velhinhas, era impossível nos imaginar separadas. Em um belo dia de sol, estaríamos nos divertindo em uma enorme piscina de uma mansão no exterior com algumas crianças de nomes estranhos, ao lado de algum bonitão como o Leonardo DiCaprio ou o Johnny Depp que integravam a lista de "boys magia" da nossa época. A tabuada não estava tão na ponta da língua como as letras de músicas das nossas bandas favoritas, não éramos tão boas em inglês mas amávamos cantar e dançar "If you wanna be my lover..." ou "everybody, yeah!" Com outras amigas eu passava a madrugada inteira conversando sobre os problemas que eu achava que tinha, do nosso futuro cheio de dinheiro ou das nossas paixonites por algum professor, artista de TV ou boy band.          

          Brigávamos por qualquer motivo, para logo depois fazer as pazes e voltarmos a nos falar como se nada tivesse acontecido. Tudo era mais fácil e natural. Mas, a maturidade - se é que se pode chamar assim - nos tira essa virtude. A virtude da cicatrização das mágoas de forma imediata. Isso é simplesmente sublime! Não existe nada mais incrível e belo do que essa capacidade infantil do perdão espontâneo. É muito fácil para as crianças e pesado demais para nós adultos que somos considerados emocionalmente maduros. Toda criança tem um dom especial igual ao que o Wolverine possui. Só que o anti-herói tem o poder de regeneração dos tecidos e órgãos físicos instantaneamente, enquanto as crianças têm o dom de cura súbita das mágoas e de restaurar a confiança daquilo que ficou abalado. Elas podiam nos ensinar como faz.        

          Algumas eram minhas "melhores amigas para sempre" com as quais eu passava grande parte do meu tempo, que tinham acesso aos meus diários e segredos, que sabiam tudo sobre mim e em meus aniversários me escreviam ou diziam palavras jurando amizade eterna, mas que hoje nem sei onde moram, o que fazem, como e com quem estão. Porque de alguma forma amadurecemos, porque as pessoas mudam, porque existem outras prioridades (in)felizmente.

          Uma vez eu conversava com uma amiga exatamente sobre esse assunto e ela me disse: "Puxa! Acredito que não há nada pior do que ver um amigo virar um estranho. Perder um amigo na vida, é algo muito ruim". Ela me disse isso justamente em uma semana que eu estava refletindo sobre a passagem de pessoas que foram importantes na nossa vida em um dado momento e eu disse a ela que existia algo pior, sim! E então comecei a contar a história da minha amiga Priscila. Uma amizade que se consolidou quando eu já estava bem distante dessa fase que cito no início.

          Priscila foi uma professora que havia se tornado uma grande amiga e nós nos comunicávamos sempre que podíamos. Ela havia travado uma batalha contra o câncer e havia vencido. Assim que fui visitá-la para celebrarmos esta conquista, ela me falava de todo o seu processo, das lutas que passara com a doença e da alegria de ter sido curada. Nunca a tinha visto chorar neste tempo em que ela estava em tratamento, o sorriso fazia parte do seu rosto todas as vezes que eu a via. E com uma alegria incrivelmente mais intensa, ela me recebeu em sua casa e me falava da última novidade de sua vida após a cura do câncer: O seu casamento dali a alguns meses.

          "Toca aqui no meu seio, Eliz! Tem um caroço" - ela me disse com uma expressão serena um pouco antes de eu ir embora - "Mas o médico disse que não há de ser nada, só que devo fazer alguns exames." Era uma proeminência do tamanho de uma cereja, mas estávamos tão efusivas com as novidades que não tínhamos espaço para grandes preocupações naquele momento. 

          Algumas semanas se passaram depois desse dia e eu não tive mais contato com a Priscila por conta de ter perdido o meu aparelho de celular e não ter mais os números dela em nenhum lugar. Eu frequentava muito o bairro onde ela morava, era um bairro comercial chamado Vilar dos Teles situado em São João de Meriti aqui no Rio, onde ela morava com sua mãe. Logo depois ela casou-se tornando nossos desencontros mais frequentes, pois, mudou-se para Sumaré. Sabia algumas poucas coisas sobre ela de forma indireta, pois, já que ela não me procurava, eu também fazia o mesmo. Afinal é aquela história: "Quem não te procura, é porque não sente sua falta." Não é verdade? Nem sempre.

          A maratona da vida impedia-me de tentar vencer o orgulho de ter tempo em procurá-la. "Vou esperar que ela me procure." Afirmava a mim mesma quando passava em frente a casa da sua mãe. O pensamento de chama-la à porta e perguntar pela filha nem me vinha à mente uma vez que eu retribuía o interesse da mesma forma que eu julgava que ela fazia a mim. Mas na verdade eu sentia muito sua falta. A admirava por ela ter sido uma pessoa que fez diferença na minha vida me ensinando um outro idioma, me aproximando para a sua vida quando ainda era minha professora, me ensinou principalmente que precisamos nos fortalecer frente aos problemas mais difíceis da nossa vida e enfrentá-los com otimismo.

         Em uma noite de sábado, fui acessar minhas redes sociais. Fazia exatamente um ano que não nos falávamos, fazia aproximadamente nove meses que ela havia se casado. Eu sempre quis saber como ela estava, como estava na sua nova casa, se ela já havia voltado a lecionar, eu esperava notícias dela sempre, um sinal, uma ligação, uma mensagem, quaisquer informações... Mas eu era orgulhosa demais para buscá-las. E naquela noite as notícias chegaram. E foi um tipo de notícia que eu não esperava receber. Amigos que tínhamos em comum, me entregavam agora informações das quais eu jamais poderia ter imaginado: A notícia do velório da Priscila que aconteceria no dia seguinte... Aquele nódulo que eu havia tocado um ano atrás anunciava a volta de um novo câncer e mais uma batalha foi travada contra ele no momento em que eu cheia de orgulho, fiquei distante dela.

          Não adianta nada chorar por remorso, certo? Mas foi o que eu fiz. Chorei também de uma saudade que não será amenizada nunca e, enquanto eu me dissolvia em lágrimas cresceu em mim um forte desejo de abraçar todos os meus amigos. Principalmente aqueles que eu vivia marcando encontros que nunca iriam acontecer.

          Linda, minha amiga descansava curiosamente com o sorriso de sempre. Isso é algo que jamais vou esquecer. Quando fui abraçar sua mãe, aquela que eu passava em frente à casa todas às vezes que ia à Vilar dos Teles, ela me disse algo que eu também nunca vou esquecer e que deixou-me ainda mais triste por meu afastamento nefasto quando uma de minhas amigas passava mais uma vez por um momento complicado: "Querida, porque você sumiu? Minha filha perdeu os seus telefones e vivia perguntando por você. Cadê aquela minha amiga, mãe? Aquela que vinha aqui em casa? Mas eu não podia fazer nada. Eu também não sabia onde te encontrar... Como te procurar..." Eu só fui capaz de pedir desculpas e abraçá-la com lágrimas nos olhos contendo os soluços. 

          E depois de contar essa história à amiga que me falou que não havia nada mais triste do que perder um amigo na vida, eu disse que pior do que perder um amigo na vida, era perdê-lo para a morte. Quando ficamos mais velhos, deixamos de procurar nossos amigos com a mesma avidez que os procurávamos quando mais jovens para termos alegria e satisfação de estarmos ao seu lado ou dá-los a alegria de auxiliá-los no que precisarem, deixamos de passar preciosos momentos ao lado de pessoas que nos fazem felizes ou de fazê-las felizes, pois, estamos fadigados de atividades e responsabilidades. 

          Enfim, é muito raro eu marcar algo em que eu não vá estar presente, é muito raro eu não exaltar o valor que cada amigo tem pra mim. Contudo, apesar de todo esse fato com a Pri, ainda preciso aprender a não mais "matar" pessoas estando elas ainda bem vivas em minha memória, pois, depois que elas morrerem de fato, não há o que fazer. A Priscila se foi e, como uma boa docente continua me ensinando. Gratidão!





14 comentários:

Profano Feminino disse...

Que texto lindo e ao mesmo tempo triste. Lendo este texto ele me fez pensar em quantas vezes deixando de estar ao lado das pessoas que amamos, em quantos planos adiamos, e quantas coisas deixando de lado até que tudo se torna tarde de mais.

Eliziane Dias disse...

Verdade! Não deixe nada para depois! Depois pode ser tarde demais!

Unknown disse...

Que lindo seu texto, é por isso que temos que aprender a valorizar todas as pessoas que temos em nossa vida enquanto há tempo, porque depois quando é tarde de mais nos arrependemos de não ter aproveitado mais tempo ao lado dessas pessoas... Amei, você escreve muito bem!! Beijoos

Eliziane Dias disse...

Obrigada, Luiza! Um beijo! Sucesso no seu blog tbm!

Alice Martins disse...

Oi Eliziane, tudo bem?

Acho que eu precisava de cada palavrinha que estava no seu texto sabe?! Eu vivo reclamando que aquelas amizades da minha infância/tempo do ensino médio se perderam, mas não faço nada para mudar isso, sou muito orgulhosa para ir atrás das pessoas, para adimitir que senti falta. Se algo parecido com isto acontecesse comigo eu não teria estruturas emocionais para lidar, eu me afundaria, pois me culparia por todos os momentos´perdidos que não voltarão.
Obrigada por esse relato. Obrigada pelas lágrimas que me causou. Aprenderei a valorizar mais as minhas amizades, as pessoas que estão a minha volta e aquelas que estão distantes! Bjs!

Wesley Ítalo disse...

Que texto lindo! Parabéns!
Você falou extamente sobre um dos meus medos no início da minha adolescência que era perder um amigo. Com o passar do tempo eu percebi que aquelas amizades que foram cultivadas com mais amor e dedicação ficaram até hoje e espero que até a eternidade, e também aprendi que o amanhã não existe e temos que aproveitar o hoje com quem amamos , com quem está ao nosso lado. Seu texto é muito bom e reflexivo. Amei ❤️
Beijos do Wes ^^

Renata Souza disse...

Que textão em!!!
Fiquei pensando nas pessoas que passaram na minha vida e que hoje sinto uma falta extrema. Nada melhor do que manter relações, não fomos feitos para ser sozinhos e ter pessoas que podemos confiar e saber que podemos contar com alguém em momentos difíceis é incrível.
Amizade verdadeira aceita as mudanças também e para mim é o que mais importa, estar do lado daquela pessoa independente de tudo.
Beijuh

Lucy Santos disse...

Que lindo seu texto, eu não tive a oportunidade de ter amigas na adolescência e juventude, tive apenas colegas. E hoje sinto falta e não sei muito bem como agir como amiga, mas me esforço com as poucas que tenho.
Beijokas.

O Oculto disse...

Lindo e caotico, adoro este teor, e esta escrita que nos faz transportar entre as linhas sentimos assim como o autor, nos fazendo refletir pelas nossas escolhas, me vi em muitos angulos sobre minha amizades momentaneas das quais sei que deveriam ter sido mais que isso.

Catrine disse...

OOi!
Parabéns pelo texto!
Minha melhor amiga é a mesma há anos, apesar da distância que hoje existe entre nós. Então, me colocar nessa situação me emocionou bastante.
Nunca perdi um amigo, mas creio que seja a mesma dor que a perda de alguém da família. Na verdade, acredito que os amigos fazem parte da família. família é mais que sangue.
Beijoos!

Minhas Escrituras disse...

Olá... Que texto mais lindo... fiquei apaixonada por essas palavras e não pude deixar de senti-las e refletir como anda as minhas relações familiares e até com meus amigos... e parando para pensar sou uma pessoa bem solitária... porque eu tenho uma melhor amiga... que sempre posso contar, mas ainda sinto que falta algo... minha família e eu somos meio afastados e embora a gente se encontre nessas coisas de comemoração, sinto as coisas bem superficiais... enfim... ótimo texto pra te fazer pensar e refletir no que pode melhorar sem ter orgulho de dar o primeiro passo... Xero!

Unknown disse...

Olá!!!
Que texto lindo e bem escrito!!É um texto que nos emociona e percebemos a sua emoção ao falar desse assunto. Realmente quantas vezes pensei que algumas amizades seriam para a vida toda, mas vem a vida e nos mostra que não é bem assim, apesar que até hoje tenho amizades da época de escola, porém são poucas, mas que duraram e acredito que vai durar muito ainda se Deus quiser porque são valiosas para mim. Quando somos adultos achamos que é para vida toda uma amizade, mas vem a vida e nos da responsabilidade que no meio do dia a dia tentamos encontrar tempo para esses amizades. Concordo com a leitora Catrine ai em cima, acho que perder um amigo é como perder alguém da família


Beijos!

Bru Costabeber disse...

Olá!
Adorei seu texto e me identifiquei demais com ele. Eu já passei por momentos em que deixei tudo para depois e esse depois custava a chegar, sabe? Acho que precisamos viver o hoje com muita intensidade e sermos felizes, apesar de ser difícil em alguns momentos de perda.
Beijos

Livros Engavetados disse...

Oi.

Realmente, quando somos novas e temos uma grande amiga, nosso desejo é que essa amizade dure para sempre, mas nem sempre é isso que acontece. Em algum momento a vida irá separar as pessoas. Basta fazer com que a amizade que temos se preserve. Mesmo longe, distante, ainda devemos fazer com aquela bela amizade não morra nunca.