Sim, os opostos se atraem! Mas também se estranham.
Duas pessoas completamente diferentes já se relacionaram,
e as consequências deste envolvimento não foram tão agradáveis.
No entanto, algum tempo se passou e a coragem
para dizer o que nunca foi dito ganha potência.
E junto com a coragem, o reconhecimento dos erros cometidos.
Recordações dos pequenos gestos retornam agora em forma de remorso,
mas também de saudade.
Foto meramente ilustrativa: Ator Mario Casas
Olá, Julia! Como vai?
Aqui é o Pedro. Faz três anos que não
nos falamos. Já tem um tempo que eu queria falar com você. Eu nem sei como
começar isso... Mas vou tentar ser natural e dizer exatamente o que me motivou
a lhe escrever.
Hoje a Cátia, minha tia esteve aqui com a família comemorando o aniversário
da minha mãe. Veio com toda a família. Só o Hugo que nunca sai de casa não quis
vir. Mas eu entendo o motivo dele. É aniversário de uma senhora de 64 anos. Na
idade dele, eu faria o mesmo. Não pelos mesmos motivos, porque o vício dele é
completamente diferente do meu.
Na idade dele, eu faria o mesmo e fiz, faltava a maioria dos eventos de
família. É que eu não gostava de perder tempo com “bobagens” e “conversas
improdutivas”. Pelo menos era assim que eu pensava.
Na idade do Hugo, eu não sabia nada de games, estaria estudando
certamente. Era só isso que eu sabia e gostava de fazer. Pesquisar, estudar,
trabalhar... Até hoje, na verdade. Você sabe bem disso, não é?
Tantas vezes eu desmarquei nossos encontros para fechar mais um
contrato, ler mais um capítulo, terminar mais uma planilha, conseguir mais um
cliente, participar de mais uma reunião, realizar mais um curso, mais uma
capacitação, obter mais um diploma...
Eu vivi a minha vida inteira pensando em mim, eu sempre quis trabalhar
mais, ganhar mais, buscar mais conhecimentos e não vivia a vida de forma mais
amena e você me mostrava como isso era fácil. Eu não conseguia enxergar.
Estou escrevendo porque não tenho mais seus números. E também porque dentre
tantas coisas que estão acontecendo comigo, o que mais me motivou a te procurar
foi o seguinte fato: A Giovanna, neta da minha tia Cátia, que já está com 6
anos, lembra dela? Bem, ela estava comendo o bolo de chocolate e em um descuido,
eu deixei meu celular em cima da mesa e ela pegou dizendo que queria jogar. E quando
ela me devolveu o celular, estava sujo de bolo. Sua lembrança veio
automaticamente nesse momento.
Eu fiquei muito tenso na hora, pelo fato de me dar conta que eu sempre
briguei com você por esse motivo tosco, não é? Não sabia antes que era tosco,
agora eu sei.
E eu fiquei olhando aquele celular grudento e recordando o quanto você é
doce. E o quanto eu daria tudo para ver você novamente lendo as receitas no meu
celular só porque a tela é maior, levando ele para a cozinha e sujando ele de
maionese, de chantili, de molho... Uma vez ele ficou com cheiro de camarão...
rsrs Eu encrencava com coisas tão idiotas! Eu nunca conseguia te fazer um
elogio.
Eu já tinha me dado conta antes da merda que fiz, mas essa questão com a
Gigi foi o estalo que eu precisava para ter a coragem de te procurar.
Só agora eu me dei conta que eu tinha um tesouro, uma mulher linda, e eu
nunca ressaltava suas qualidades, mas reclamava de tudo sem motivos.
Eu quero te pedir desculpas por brigar com você só por deixar suas roupas
emboladas no meu guarda-roupa e por esquentar demais só pelo fato de você não
devolver meus livros à minha estante depois que lia. Eu sinto falta das
pequenas coisas, inclusive das que eu mais reclamava.
Eu queria muito que você me perdoasse por só perceber agora que você
merecia que eu te desse mais valor.
Você conhece a minha família melhor do que eu. Não há um único evento em
que não perguntem por você. É como se quisessem jogar na minha cara que eu
perdi uma mulher incrível por sempre ser sistemático, ritualístico, metódico, chato...
Eu sou um babaca!
Lembrei de quando ficava te testando. Fazendo perguntas que eu tinha
certeza que você não responderia. E você sorria e me chamava de chato me dando
a língua. Essa expressão tão inocente não sai nunca da minha cabeça.
Lembrei também da vez que te fiz chorar porque te chamei de... louca e
você estava muito irritada e acabou chorando e indo embora de uber porque não
queria nem que eu te levasse em casa. E eu nunca te pedi perdão por isso, mas
você me perdoou.
Semana passada eu assisti aquele filme que você me indicou: "O
leitor".
Como eu passei tanto tempo sem conhecer essa obra fantástica? Achei
incrível! Eu sempre achava uma forma de te convencer a assistir os títulos que
eu queria. Fiquei surpreso com o enredo do filme. É simplesmente brilhante!
Obrigado!
Também visitei seu vlog outro dia, assisti ao vídeo sobre as formas de
usar turbantes. Fiquei muito contente por você agregar ao seu “look”, como você
mesma diz, à pulseira que você sabe que foi minha mãe que comprou para eu te
dar. É que eu nunca soube escolher nada para alguém e devo lhe confessar que
nunca me importei em presentear alguém, mesmo que esse alguém fosse a minha
namorada. Acho que na verdade, eu nunca me importei com ninguém, só comigo
mesmo.
E eu fiquei lá admirando a pessoa comunicativa que você é. Mais de 30
mil seguidores... Que bacana! Vendo esses e outros vídeos, percebi o quanto você
é divertida, o quanto você é talentosa! Eu tive tanto orgulho, que
nem parece que eu implicava tanto com você por causa disso e que pedia pra você
focar em algo importante. E isso é tão importante para você, não é? Desculpe!
Tenho 4 meses de namoro com a Ana e a
gente se viu umas 5 vezes no máximo. Eu achava que era melhor assim. Mas a Ana
é fria. Ela consegue ser mais fria que eu. Da última vez que ela veio aqui e eu
tentei fazer uma massagem, ela disse que não gostava de massagens de pessoas
que não são profissionais. “Você pode me aleijar” ela falou tirando minhas mãos
dos seus ombros. Percebi que com você tudo era mais divertido. Tudo fluía. Você
é bem-humorada, engraçada...
Eu nunca gargalhei com a Ana. Eu nunca gargalhei com ninguém. Só você
tinha esse poder. Eu achava que seu jeito expansivo e despreocupado era bem
louco, embora neste momento o que eu mais queria era que você com esse sua
loucura me ajudasse a tirar um sorriso do meu rosto, porque eu nunca fui dado a
sorrisos, mas sem você, é impossível deles aparecerem.
De todas estas tuas encantadoras qualidades, eu nunca vou esquecer-me do
teu altruísmo. Eu nem sabia que alguém podia ter essa qualidade de verdade. Eu
lembro do olhar carinhoso e do jeito delicado com o qual você se ofereceu para dar
comida à minha avó. Você se sentou ao lado da cadeira de rodas dela, pegou o
prato da mão da cuidadora, deixando ela brava e ficou alimentando a minha avó e
conversando, como se ela pudesse interagir com você. Até poderia se dizer que
era uma forma de tentar agradar, mas... quando a cuidadora teve que deixar nossa
casa e minha mãe e minha tia se viram sozinhas para cuidarem da minha avó, você
se ofereceu para estar aqui algumas manhãs pra lhe ajudar a dar banho e trocar
os curativos, você revezou com elas para dormir no hospital quando minhas
primas, suas netas, não apareciam, por estarem como eu, resolvendo seus
próprios problemas.
Eu era um idiota! Você foi muito inteligente em ter me deixado. Acho que
na verdade, eu tinha inveja desse teu jeito leve e divertido. Eu queria ser tão
leve quanto você. Era por isso que eu te irritava tanto.
Eu só quero lhe dizer que você é a melhor pessoa que eu conheci.
Eu nunca fui capaz de te agradecer pelo que você fez por mim e por minha
família. Obrigado por amar tanto uma pessoa amarga como eu.
Você não tem noção do meu remorso. E é com lágrimas que eu te
escrevo e te digo que é uma pena eu não ter sentido e reconhecido a grandeza da
sua personalidade antes de você desistir de mim.
Enquanto viver, te desejarei o melhor sempre!
Pedro Pardini