Olá, Pedro!
Desculpe pela demora! Eu li e
reli várias vezes seu último e-mail. Desta vez quem não sabe como começar sou
eu. Que bom que você percebeu meu desabafo, eu realmente precisava falar tudo
aquilo.
Sabe, Pedro... O que me fazia
permanecer ao seu lado era a minha ilusão de encontrar nos teus olhos a certeza
de que bem lá no fundo eu era importante na sua vida, ainda que você não
conseguisse expressar com palavras. Essa certeza se esvaía assim que suas
atitudes, ou a falta delas me provavam o contrário.
Sinto-me lisonjeada por suas
palavras, Pedro! Se bem que você exagera... rs
Fico realmente feliz por você
tentar domar esse seu gênio. Eu sabia que você não era o que demonstrava ser.
Uma pena você ter revelado essa parte mais bonita tanto tempo depois.
Eu não menti! Eu achava que você
me fazia feliz até terminar o relacionamento e conhecer a verdadeira
felicidade.
Eu entendo que queira mudar,
porque você mesmo se prejudica sendo assim. E o fato das coisas não estarem
indo bem na Concept, também ajudam.
A gente passa a refletir sobre a
vida quando algo começa a dar errado.
Eu nunca falei isso, porque você
não me ouviria, mas você dorme muito pouco, se preocupa demais e esse é um dos
motivos de viver tão estressado. Quase não tinha tempo livre, trabalhava aos
finais de semana, não tirava férias. Como que alguém pode viver assim? Isso é
altamente prejudicial.
Espera! Eu li direito? Você citou
Deus? Não consegui parar de rir. Empaquei nessa parte.
Tens receio de demonstrar seus sentimentos,
de parecer vulnerável, por isso você se fechou nessa caixa. Isso é um medo de
demonstrar suas fraquezas, de parecer bobo, sei lá. Até o seu foco no
trabalho, nos estudos, é uma fuga. Agora eu entendo! Você se afasta das pessoas
e faz com que elas se afastem de você. E o seu jeito rígido e antipático assim
tão extremo, é uma espécie de proteção.
Você não errou sozinho. Eu também
te sufoquei um pouco com os meus ciúmes e fazia algumas coisas só pelo prazer
de te ver irritado mesmo. Sei lá! Seu sorriso é bonito, mas você sério era
um... Não sei definir! Não sei... Você ficava com as veias saltadas,
aquela cara de que o mundo estava acabando e inferia leves toques com a ponta
do polegar no queixo, xingando umas coisas incompreensíveis. No ápice da sua
irritação você deixava de falar comigo. E eu, brincava com o cão! Eu não
parava, Pedro! Conseguia te irritar ainda mais até que você se afastava e eu
ficava rindo. Aquilo me deixava louca! Porque você se "vingava" das
minhas implicâncias de uma forma bem divertida.
Também agradeço por me permitir
saber que minhas atitudes te ajudam a refletir. Na verdade você já está se
mostrando diferente. Quando que você se imaginaria sentar e investir tempo
escrevendo sobre seus erros à alguém? Isso é um milagre! Será que é mesmo o
Pedro que está escrevendo? rs
A primeira lição sistemática que
vou te dar para cooperar em sua mudança, vai ser a seguinte: Não se agradece
nenhuma conquista a uma pessoa que nunca viu. O que foi aquele agradecimento de
formatura? “Eu agradeço a Descartes pela ajuda em meu desenvolvimento
intelectual, por tirar a venda dos meus olhos e blá, blá, blá...” Jurava que
esse nome era como você chamava o seu pai, ou algo assim. Depois que sua mãe
ficou rindo de você na volta para casa que eu entendi que você se referiu à
René Descartes, o filósofo que já morreu há décadas. Eu morri com aquilo,
Pedro! Que ridículo! Na boa... Você não existe!
Talvez sua relação não seja muito
boa com a sua mãe, mas a gente agradece mesmo pelas pequenas coisas: Ela te
gerou, te amamentou, viu você dar os primeiros passos, te colocou na escola pra
você fazer uma das coisas que você mais gosta na vida que é estudar. Olha que
legal?
Seus professores, por exemplo, te
auxiliaram nos estudos, te indicam livros do seu interesse, eles são os
mediadores entre você e o conhecimento, ou seja, são pessoas reais com as quais
você tem relações reais!
Pedro, eu não sou a única pessoa
que te amou, sua mãe sempre falou de você com muito carinho. Se você se desse o
privilégio de estar com ela mais vezes do que poderia e gostaria, saberia o
quanto é amado.
Portanto, vá às bodas! Deixe-a
perceber que você está cuidando dela. Você sempre vai ter mais importância na
vida dela do que o atual marido dela, Pedro! Pare com esse ciúme infantil!
As pessoas me acham muito
otimista, mas sabe o que eu vejo agora? Que o nosso relacionamento foi uma
experiência que deu certo, apesar de ter acabado. Sim! Veja bem... Eu cresci,
amadureci e aprendi muito com a forma não tão agradável de como ele terminou. E
você conseguiu enxergar que necessita mudar, que não pode viver só pra si
mesmo. Acredito que reconhecer os erros, já foi o primeiro passo.
Conforme você mesmo disse, todos
temos algo para melhorar em nós. Você ressaltou meu altruísmo, Pedro! Mas às
vezes eu não consigo pensar em mim mesma. Eu não consigo fazer algo por mim,
comprar algo só para mim...
Por exemplo, às vezes eu anulava
o que eu queria para te fazer feliz, abria mão das minhas vontades para que
pudéssemos cumprir a sua. Isso não é bom! Isso não é uma relação saudável!
É claro que em alguns momentos temos que ceder, mas eu cedia sempre! Daí
você se acostumou com uma pessoa que fazia todas as tuas vontades. Mas em algum
momento isso iria me cansar.
Eu sempre coloquei o coração em tudo,
mas existem algumas situações em que é imprescindível que ajamos de forma mais
racional. Devemos buscar o equilíbrio em todas as coisas.
O meu maior problema é que eu
esperava que você fosse como eu. E ninguém pode ser como eu. Eu sou um modelo
exclusivo! Haha!
Sério... O que a gente precisava,
na época, era aprender a lidar com nossas diferenças, dialogando sobre elas.
Compreendo que se eu quiser fazer
algo de bom por alguém, tenho que entender que nem sempre aquilo vai retornar
para mim, por isso, tenho que ser o que sou sem me importar como os outros
agirão ou responderão. Fazer o bem por uma recompensa ainda que essa recompensa
seja o carinho, admiração ou o amor de alguém, não é ser boa de verdade, é ser
carente.
Nem todo mundo consegue ser
grato. Às vezes se faz o bem e recebe em troca a ingratidão. Entretanto, a
ingratidão de uma pessoa, não pode paralisar as boas ações de uma outra. Se a
solidariedade ou uma atitude positiva foi feita esperando um retorno, seja lá
que tipo de retorno se esperou, então na verdade, não se fez pelo outro, mas
por si mesmo.
Lógico que em toda relação há uma
troca e eu fui autêntica com você, mas eu esperava algo de você que nunca iria
vir, mas mesmo assim eu me desdobrava para chamar sua atenção.
Outra coisa que é importante
frisar, é que não é bacana imaginar a sua vida ao lado de quem já não está mais
nela. Principalmente se você já tem alguém em sua vida.
Deixa explicar: Na primeira carta,
você disse que tinha uma namorada chamada Ana e que ela era tão distante quanto
você é, ou era, não sei... Estou confusa! Na segunda, você disse que pensava em
mim e fantasiava sua vida comigo. O fato é que se você não gosta do jeito dela,
tenta encontrar uma pessoa que você possa gostar. Você é um homem lindo,
inteligente, vai conhecer uma mulher super especial que vai estar disposta a te
fazer feliz assim como eu estive. Mas não engane ninguém. Mesmo que essa
Ana seja uma Elsa (você não vai entender essa parte).
Porém, também vou te contar um
segredo, sobre algo que aconteceu algumas semanas depois que não te via mais. Você
não utiliza as redes sociais, certo? E nem tinha como eu ficar te encontrando
nas fotos, porque, fui obrigada a apagar tudo o que me lembrava você. É porque cada
vez que eu olhava, sentia um aperto muito grande no peito e uma vontade imensa
de te abraçar. Então, a única forma que eu achei que poderia te esquecer mais
rápido, era apagando todos os vestígios de quando eu estive com você. Só que a
memória é traiçoeira, não é?
Então eu lembrava da forma nada
poética que você tentava explicar o amor, passei a ler autores que você gostava
com a mesma avidez que você os lia. E era assim que eu te encontrava, Pedro.
Naquilo que você gostava. No amor que você mantinha pelos estudos. Eu passei a
ler Spencer, Sapir, o próprio Nietzsche, o esquisito do Schopenhauer...
Continuava sendo chato, mas era a forma de eu ter contato com você. Era ali que
eu te via, naquilo que sempre teve a ver com você.
E eu passei a entender tanta
coisa a partir do que eu lia, eu aprendi tanto... Eu aprendi com você, mesmo
você estando longe. Eu li os artigos que você publicou, eu via os filmes que
você gosta...
Você ainda fazia parte da minha
vida de alguma forma. E imaginar que eu não tinha o mesmo valor, a mesma
importância ou que eu não lhe fazia falta, era muito doloroso.
Por isso, te agradeço por você
agora insistir em dizer que eu sou especial pra você. Você também é muito
especial pra mim, Pedro.
Estamos ligados por nossos
profundos aprendizados. Pelo desenvolvimento que permitimos nos dar um ao outro
através dessa troca na nossa relação. Nossas diferenças fizeram diferença na
nossa vida. E eu amei aprender com você. Eu acho que agora estou sendo a Júlia
das qualidades que você ressaltou. Eu não tenho condições de esquecer você,
Pedro! Claro que podemos ser amigos!
Agradeça a sua mãe o convite, mas
pede para ela colocar outro convidado no meu lugar. Vou tentar enviar um
presente, por tanto, você não precisa vir. Não acho legal receber um
ex-namorado agora que estou conhecendo outra pessoa e me envolvendo cada vez
mais com ela. Desculpe!
Lógico que te perdoo! E também
peço perdão! Fique bem!
Com
admiração...
Sua amiga Júlia
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