13/03/2017

Cartas Contemporâneas - Um amor possível? IV

Ainda que no passado os desarranjos tenham sido mais presentes que os acordos, o tempo para o acolhimento dos sentimentos foi extremamente necessário. Fantasiando ou revelando desesperanças... As cartas contêm sonhos, saudades, confissões, desabafos, ressentimentos e mágoas, mas pela insistência de ambos e a densidade expressiva nas palavras, certamente podemos denominá-las como CARTAS DE AMOR.


Atriz Berta Vázquez


Ler CARTAS anteriores: Carta ICarta II e Carta III


Olá, Pedro!

Desculpe pela demora! Eu li e reli várias vezes seu último e-mail. Desta vez quem não sabe como começar sou eu. Que bom que você percebeu meu desabafo, eu realmente precisava falar tudo aquilo.
Sabe, Pedro... O que me fazia permanecer ao seu lado era a minha ilusão de encontrar nos teus olhos a certeza de que bem lá no fundo eu era importante na sua vida, ainda que você não conseguisse expressar com palavras. Essa certeza se esvaía assim que suas atitudes, ou a falta delas me provavam o contrário.
Sinto-me lisonjeada por suas palavras, Pedro! Se bem que você exagera... rs
Fico realmente feliz por você tentar domar esse seu gênio. Eu sabia que você não era o que demonstrava ser. Uma pena você ter revelado essa parte mais bonita tanto tempo depois.
Eu não menti! Eu achava que você me fazia feliz até terminar o relacionamento e conhecer a verdadeira felicidade.
Eu entendo que queira mudar, porque você mesmo se prejudica sendo assim. E o fato das coisas não estarem indo bem na Concept, também ajudam.
A gente passa a refletir sobre a vida quando algo começa a dar errado. 
Eu nunca falei isso, porque você não me ouviria, mas você dorme muito pouco, se preocupa demais e esse é um dos motivos de viver tão estressado. Quase não tinha tempo livre, trabalhava aos finais de semana, não tirava férias. Como que alguém pode viver assim? Isso é altamente prejudicial.
Espera! Eu li direito? Você citou Deus? Não consegui parar de rir. Empaquei nessa parte.
Tens receio de demonstrar seus sentimentos, de parecer vulnerável, por isso você se fechou nessa caixa. Isso é um medo de demonstrar suas fraquezas, de parecer bobo, sei lá. Até o seu foco no trabalho, nos estudos, é uma fuga. Agora eu entendo! Você se afasta das pessoas e faz com que elas se afastem de você. E o seu jeito rígido e antipático assim tão extremo, é uma espécie de proteção.
Você não errou sozinho. Eu também te sufoquei um pouco com os meus ciúmes e fazia algumas coisas só pelo prazer de te ver irritado mesmo. Sei lá! Seu sorriso é bonito, mas você sério era um... Não sei definir! Não sei... Você ficava com as veias saltadas, aquela cara de que o mundo estava acabando e inferia leves toques com a ponta do polegar no queixo, xingando umas coisas incompreensíveis. No ápice da sua irritação você deixava de falar comigo. E eu, brincava com o cão! Eu não parava, Pedro! Conseguia te irritar ainda mais até que você se afastava e eu ficava rindo. Aquilo me deixava louca! Porque você se "vingava" das minhas implicâncias de uma forma bem divertida.
Também agradeço por me permitir saber que minhas atitudes te ajudam a refletir. Na verdade você já está se mostrando diferente. Quando que você se imaginaria sentar e investir tempo escrevendo sobre seus erros à alguém? Isso é um milagre! Será que é mesmo o Pedro que está escrevendo? rs
A primeira lição sistemática que vou te dar para cooperar em sua mudança, vai ser a seguinte: Não se agradece nenhuma conquista a uma pessoa que nunca viu. O que foi aquele agradecimento de formatura? “Eu agradeço a Descartes pela ajuda em meu desenvolvimento intelectual, por tirar a venda dos meus olhos e blá, blá, blá...” Jurava que esse nome era como você chamava o seu pai, ou algo assim. Depois que sua mãe ficou rindo de você na volta para casa que eu entendi que você se referiu à René Descartes, o filósofo que já morreu há décadas. Eu morri com aquilo, Pedro! Que ridículo! Na boa... Você não existe!
Talvez sua relação não seja muito boa com a sua mãe, mas a gente agradece mesmo pelas pequenas coisas: Ela te gerou, te amamentou, viu você dar os primeiros passos, te colocou na escola pra você fazer uma das coisas que você mais gosta na vida que é estudar. Olha que legal?
Seus professores, por exemplo, te auxiliaram nos estudos, te indicam livros do seu interesse, eles são os mediadores entre você e o conhecimento, ou seja, são pessoas reais com as quais você tem relações reais!
Pedro, eu não sou a única pessoa que te amou, sua mãe sempre falou de você com muito carinho. Se você se desse o privilégio de estar com ela mais vezes do que poderia e gostaria, saberia o quanto é amado.
Portanto, vá às bodas! Deixe-a perceber que você está cuidando dela. Você sempre vai ter mais importância na vida dela do que o atual marido dela, Pedro! Pare com esse ciúme infantil!
As pessoas me acham muito otimista, mas sabe o que eu vejo agora? Que o nosso relacionamento foi uma experiência que deu certo, apesar de ter acabado. Sim! Veja bem... Eu cresci, amadureci e aprendi muito com a forma não tão agradável de como ele terminou. E você conseguiu enxergar que necessita mudar, que não pode viver só pra si mesmo. Acredito que reconhecer os erros, já foi o primeiro passo.
Conforme você mesmo disse, todos temos algo para melhorar em nós. Você ressaltou meu altruísmo, Pedro! Mas às vezes eu não consigo pensar em mim mesma. Eu não consigo fazer algo por mim, comprar algo só para mim...
Por exemplo, às vezes eu anulava o que eu queria para te fazer feliz, abria mão das minhas vontades para que pudéssemos cumprir a sua. Isso não é bom! Isso não é uma relação saudável!  É claro que em alguns momentos temos que ceder, mas eu cedia sempre! Daí você se acostumou com uma pessoa que fazia todas as tuas vontades. Mas em algum momento isso iria me cansar.
Eu sempre coloquei o coração em tudo, mas existem algumas situações em que é imprescindível que ajamos de forma mais racional. Devemos buscar o equilíbrio em todas as coisas.
O meu maior problema é que eu esperava que você fosse como eu. E ninguém pode ser como eu. Eu sou um modelo exclusivo! Haha!
Sério... O que a gente precisava, na época, era aprender a lidar com nossas diferenças, dialogando sobre elas.
Compreendo que se eu quiser fazer algo de bom por alguém, tenho que entender que nem sempre aquilo vai retornar para mim, por isso, tenho que ser o que sou sem me importar como os outros agirão ou responderão. Fazer o bem por uma recompensa ainda que essa recompensa seja o carinho, admiração ou o amor de alguém, não é ser boa de verdade, é ser carente.
Nem todo mundo consegue ser grato. Às vezes se faz o bem e recebe em troca a ingratidão. Entretanto, a ingratidão de uma pessoa, não pode paralisar as boas ações de uma outra. Se a solidariedade ou uma atitude positiva foi feita esperando um retorno, seja lá que tipo de retorno se esperou, então na verdade, não se fez pelo outro, mas por si mesmo. 
Lógico que em toda relação há uma troca e eu fui autêntica com você, mas eu esperava algo de você que nunca iria vir, mas mesmo assim eu me desdobrava para chamar sua atenção.
Outra coisa que é importante frisar, é que não é bacana imaginar a sua vida ao lado de quem já não está mais nela. Principalmente se você já tem alguém em sua vida.
Deixa explicar: Na primeira carta, você disse que tinha uma namorada chamada Ana e que ela era tão distante quanto você é, ou era, não sei... Estou confusa! Na segunda, você disse que pensava em mim e fantasiava sua vida comigo. O fato é que se você não gosta do jeito dela, tenta encontrar uma pessoa que você possa gostar. Você é um homem lindo, inteligente, vai conhecer uma mulher super especial que vai estar disposta a te fazer feliz assim como eu estive. Mas não engane ninguém. Mesmo que essa Ana seja uma Elsa (você não vai entender essa parte).
Porém, também vou te contar um segredo, sobre algo que aconteceu algumas semanas depois que não te via mais. Você não utiliza as redes sociais, certo? E nem tinha como eu ficar te encontrando nas fotos, porque, fui obrigada a apagar tudo o que me lembrava você. É porque cada vez que eu olhava, sentia um aperto muito grande no peito e uma vontade imensa de te abraçar. Então, a única forma que eu achei que poderia te esquecer mais rápido, era apagando todos os vestígios de quando eu estive com você. Só que a memória é traiçoeira, não é?
Então eu lembrava da forma nada poética que você tentava explicar o amor, passei a ler autores que você gostava com a mesma avidez que você os lia. E era assim que eu te encontrava, Pedro. Naquilo que você gostava. No amor que você mantinha pelos estudos. Eu passei a ler Spencer, Sapir, o próprio Nietzsche, o esquisito do Schopenhauer... Continuava sendo chato, mas era a forma de eu ter contato com você. Era ali que eu te via, naquilo que sempre teve a ver com você.
E eu passei a entender tanta coisa a partir do que eu lia, eu aprendi tanto... Eu aprendi com você, mesmo você estando longe. Eu li os artigos que você publicou, eu via os filmes que você gosta...
Você ainda fazia parte da minha vida de alguma forma. E imaginar que eu não tinha o mesmo valor, a mesma importância ou que eu não lhe fazia falta, era muito doloroso.
Por isso, te agradeço por você agora insistir em dizer que eu sou especial pra você. Você também é muito especial pra mim, Pedro.
Estamos ligados por nossos profundos aprendizados. Pelo desenvolvimento que permitimos nos dar um ao outro através dessa troca na nossa relação. Nossas diferenças fizeram diferença na nossa vida. E eu amei aprender com você. Eu acho que agora estou sendo a Júlia das qualidades que você ressaltou. Eu não tenho condições de esquecer você, Pedro! Claro que podemos ser amigos!
Agradeça a sua mãe o convite, mas pede para ela colocar outro convidado no meu lugar. Vou tentar enviar um presente, por tanto, você não precisa vir. Não acho legal receber um ex-namorado agora que estou conhecendo outra pessoa e me envolvendo cada vez mais com ela. Desculpe!
Lógico que te perdoo! E também peço perdão! Fique bem!

Com admiração...
Sua amiga Júlia


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Para ler a carta de Pedro, a última do Blog: Clique aqui!

22 comentários:

Luísa Aranha disse...

Ainda acho que vai ter volta... hahahahahaha

bjos

Daniele Vieira disse...

Olá
Ufa, já estava ficando preocupada, é isso aí moça parte para outra, mas com elegância 😉

Raíssa Nantes disse...

Hmm... Sei não viu?
Acho que essas cartas, essas experiências e tudo o mais que eles tem divido talvez os levem a reatar viu? Novas pessoas sempre entram nas nossas vidas, mas sei lá... acho que esses dois ainda tem jeito.

Raíssa Nantes

Unknown disse...

Acho o Pedro bem chatinho, mas que bom que Julia seguiu em frente e o perdoou.
Relacionamentos acabam e sempre aparece alguem novo.
Bola para frente para os dois.
Beijos.

Livros e SushiFacebookInstagramTwitter

Edna disse...

Muito bom!

Carla disse...

Oie!
Nossa, que texto lindo!
Quanta emoção expondo tanta coisa nessa carta, quantas situações que os dois viveram e não deu certo. Um ótimo texto.
bjks!
Histórias sem Fim

Unknown disse...

Heyta que já tava agoniada para ver o desfecho dessa carta! Gostei de ver como ela foi segura em sua resposta!

Bjs Jany

www.leituraentreamigas.com.br

Unknown disse...

Acho ela tão maravilhosa, em suas respostas, em seu jeito de ser... Não sei se torço pelos dois ou... Não sei. As cartas têm me confundido bastante hahaha Estou amando essa experiência!

Um beijo, Carol
Blog com V.

Unknown disse...

Quando comecei a ler a carta da Julia não consegui parar mais kkk. Adorei! Você escreve super bem e agora quero ler todas as cartas anteriores e conhecer mais a Julia e o Pedro. Achei o Pedro uma pessoa um pouco difícil e muito fechada.Penso que se ele estivesse disposto a mudar nem que fosse apenas um pouquinho por amor a Julia eles ainda estariam juntos. Mesmo sendo doloroso pra ela relembrar coisas do seu relacionamento com ele, fiquei feliz por ela ter conseguido seguir em frente. Bjss!

Leticia Golz disse...

OI, tudo bem?
Acho que estou meio perdida com os textos anteriores, mas adorei como foi escrita a carta de Julia. Essa carta pode revelar que ainda rola algum sentimento, apesar da aparente amizade.

Camila disse...

Estou achando essas cartas bem interessantes e quero só ver se a Julia vai finalmente se desvencilhar desse Pedro. Ela diz que superou, mas claramente essa antiga relação ainda a corrói. Vamos ver... Rs!! Estou curiosa!
beijos
Camis - blog Leitora Compulsiva

Beta disse...

Estou impressionada com a elegância da Júlia para lidar com a situação. Creio que não teria tanta maturidade em lidar com um relacionamento que, por melhores momentos que teve, causou muito sofrimento. É bem interessante a construção desta história por meio das cartas. Obrigada por compartilhar!

Unknown disse...

Como você escreve bem!! amando!

Florensce Design disse...

Quando eu comecei a ler a carta, pensei que ela fosse se entregar a ele novamente ou ir com ele ao casamento, mas mais um vez ela mostrou maturidade. Amei essa resposta e quero ver a dele agora, kkk.

Ani Lima disse...

Oiii!

Adorei a atitude da personagem! Fico feliz que ela tenha superado e se tornado tão maadura.
Você já pensou em colocar isso em um livro??

Beijinhos,

Michele Lopez disse...

Olá,
Adorei a carta e dei muita risada na parte que diz que se surpreendeu mais com a correspondência do que com a conta de luz rsrs
Achei bem legal o amadurecimento da personagem e como ela incentiva o seu destinatário também a mudar, a se tornar si mesmo e se abrir deixando de se esconder por trás de alguém que não é.

LEITURA DESCONTROLADA

Suelane Pereira Passavante disse...

Acho perfeita essas cartas.


Bjs
Suka
http://www.suka-p.blogspot.com

Chalé De Leituras disse...

Olá, tudo bem?

Eu amo cartas, gosto muito de romances narrados por cartas. E lendo esta gostei muito, ficou sensível, bonita e bem humorada em vários momentos. E o melhor, cheio de lições e perdão. Parebéns, lindo, lindo. <3

beijos

Larissa xavier disse...

Interessante

Daniel Dornelas disse...

Nossa! Essas cartas são perfeitas. Parabéns! Você escreve muito bem.

Ana Caroline Santos disse...

Que carta linda. Falar sobre perdão e dar o perdão são qualidades de poucos pessoas. Adorei e você tem uma ótima escrita <3
Beijos,
colecoes-literarias.blogspot.com

Ana Caroline Lima Espindula disse...

Que carta lindíssima, socorro! <3
A Júlia fala tudo com muito sentimento, que bom que ela está seguindo em frente, Pedro deve ter feito algo bem ruim!