24/01/2015

Voo

         Ouvindo um silêncio inquietante contemplava o vento da sacada, o qual soprava insistente fazendo seus cabelos negros e compridos voarem. Esfriava dentro de si, tinha suas faces bronzeadas pelo luar.
          O silêncio não se sustentara, ouviu alguém chamar por ela. Seu olhar continuou perdido e estático. Estava só.
          Servindo-se de um pouco de paz tragou um gole de ar que desceu frio pelo interior de seu corpo, ao mesmo instante em que uma corrente passava agora com mais intensidade fazendo seus cabelos voarem mais.
         Desta vez rendeu-se. Arqueou o corpo e cruzou os braços protegendo-se do frio. A paisagem a inebriava e, por estar certa e encorajada de que nunca mais a veria novamente, não sairia dali tão cedo, mesmo já tendo passado longos instantes naquele local.
          Voltou à posição em que estava, descruzando os braços e segurou a grade. De tanto forçá-la contra o chão, suas mãos já estavam feridas. Uma nuvem negra cobria o céu. Já podia sentir o cheiro da chuva, tão logo ela cairia.
          Em uma expressão de pavor, arregalou e virou os olhos para trás como se pudesse ver o que estava atrás de si sem movimentar o pescoço, quando além do seu nome, ela ouviu um grunhindo. Seu coração acelerou! Não havia ninguém lá com vida. Ela mesma constara.
            De súbito seus 35 anos se passaram à sua mente em menos de 35 segundos. Lembrou das poesias românticas que venerava quando mais jovem. Versos fúnebres, onde se morria de amor e por amor. E agora ela morreria acreditando que de amor não só se morria como também se matava.
         Olhando ainda fixamente para o nada, sorriu quase imperceptivelmente com o canto dos lábios, como que se despedindo da nuvem que via. Não esperaria a chuva cair. Com ímpeto revestiu-se de loucura, suspendeu os braços, abriu-os e voou.
          Ao raiar o dia, a veriam agora pálida e fria, com o negrume de seu roupão manchado de um sangue que não era seu, embora ensopado pela água da chuva.
          No quarto da sacada da qual voara, haveria ali um ser sem vida. Vida a qual ela também havia tirado.


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