"Amor e tosse, impossível ocultá-los"
(George Herbert)
Seu carro estava estacionado próximo a um bar. Parada em frente ao portão da escola aguardava para atravessar. Fez o impossível, mas não conseguiu conter um sorriso ao vê-lo encostado em seu carro a esperando com as mãos nos bolsos e o uniforme da escola.
– Será que você me perdoa? – ela fez uma expressão de incompreensão quando ele perguntou – O
imprevisto no trabalho fez com que eu perdesse a melhor aula do mundo. E eu
podia fazer de tudo, menos deixar de vir aqui te ver. Liguei várias vezes, mas
seu celular estava desligado. Queria muito te ouvir.
– Meu celular estava fora de área – dando
uma desculpa qualquer, olhava insistentemente para os lados.
– Então eu devo processar a operadora
por me deixar desfalecer sem a cura da tua voz.
Não esboçou nenhuma reação ao que ele
falara. Deu às costas, destravou o alarme do carro, abriu a porta do carona
deixando os livros e a pasta no banco. Ele continuou paralisado seguindo seus
movimentos.
– Nos vemos quinta! Tem trabalho pra
segunda que vem. É um resumo do capítulo 4 do livro de Chassot. Vale ponto. –
falou dando à volta separando a chave de ignição.
Ele foi ágil e posicionou-se bem à
sua frente. Abriu a porta do carro para ela e tocou disfarçadamente em seus
cabelos, enquanto a fitava nos olhos.
– E eu te dou um ponto se você
resumir o que está acontecendo entre nós.
– Lucas, pelo amor de Deus! – falava
entre os dentes, desvencilhando-se do toque do rapaz – Isso é coisa da sua
cabeça.
– Quem vai te passar uma tarefa agora
vai ser eu, moça! Eu só quero uma chance de mostrar que você está errada. Se
você não quiser mais e ter certeza de que tudo isso é passageiro, vai ser ponto
pra você. Mas se eu conseguir fazer você entender que além de fundamento, o que
sentimos um pelo outro não tem fim... Ponto pra mim. Quer jogar? – deu uma
piscada.
– Nunca!
– Perigoso demais, não é? Está com
medo de perder? Você não é covarde...
Porque não me mostra quem você é de verdade? – a desafiou cruzando os braços, apontando rapidamente o queixo para frente e, esperando uma resposta, deu o melhor sorriso que pôde, fazendo com que fosse impossível a recusa de qualquer coisa que ele pedisse.
– Entra! – ela resmungou de forma
seca sem pensar muito, sua racionalidade foi bloqueada com aquele sorriso.
Ele mal podia acreditar, era bem mais
do que esperava. Ainda segurando a porta e um sorriso de triunfo, fez um sinal
pra que ela entrasse no carro primeiro. Deu à volta, sentou no banco do carona
e assim que se acomodou, colocou os pertences dela e a mochila que carregava no
banco de trás.
– Quero ter as mãos livre pra tocar
você.
– Faça isso e eu jogo o lado do
carona com toda força no primeiro poste que eu ver pela frente.
Ele deu uma risada. Estava feliz e
sabia que apesar de tensa, ela também estava. Não sabia pra onde ela o estava
levando, mas iria onde quer que ela o levasse. Mudos viajaram pouco menos de 4 km.
Ele até tentara, mas ela sempre deixava suas perguntas sem resposta, embora se
olhavam por todo trajeto, ela, de forma muito mais receosa, com o desejo à flor
da pele e o coração apertado.
Como forma de quebrar o longo e duro silêncio, o rádio foi ligado. Tocava uma música romântica e ela rapidamente impulsionou-se
para trocar a estação, mas ele a conteve segurando em seu pulso olhando-a nos
olhos e cantando junto:
– Sem contar os dias que me faz
morrer! Sem saber de ti, jogado à solidão... – ele canta baixinho olhando-a
transferindo por seus olhos todo seu sentimento – mantenha os olhos na estrada!
Para de tremer! É apenas uma música! – ele brincava com a gangorra de emoções e sentimentos que ela tentava não transparecer, mas que era perceptível, irritada pela seriedade
que o rapaz advertiu, ela o obedece e se volta para estrada, colocando as duas mãos no volante, como se ele não
estivesse ao seu lado, até seu corpo todo se arrepiar quando um pouco mais alto
ele prossegue cantando olhando para ela – eu quero mesmo é viver pra esperar e
esperar, devorar você... – ela permaneceu com os olhos fixos na direção, com os sentidos
aguçados, a ponto de colidir com as emoções.
Parou em frente à praia, saltou do
carro, passou as mãos em torno dos braços e ia em direção à outra calçada sem
esperar por ele, caminhando lentamente com os braços cruzados com o pensamento
abarrotado de preocupações.
– Será que agora você pode falar
comigo? – ele vinha logo atrás carregando a mochila e uma paixão incandescente.
– Psiu! – pediu silêncio, sem retirar
o olhar da praia – Estava gostando mais da seriedade no seu rosto do que essa
serenidade infantil. Quem ainda sustenta palavras diante da imensidão destes
dois céus estrelados? Parece que o mar é uma extensão do céu, as
luzes dos veleiros são as estrelas que vieram ver o mar e ficaram presas nas
ondas. Não é linda essa paisagem?
– Linda de verdade é a mulher que está agora bem diante dos meus olhos. Eu amo ouvir você, mas não posso me
calar agora. Não nesse momento em que estamos sós. Me diz porque você me olha
desse jeito? Por que você me instiga assim? A princípio eu pensei que fosse
coisa minha, até perceber que eu também te perturbava.
Ela agora olhava para ele enquanto o
ouvia. Tentava decifrar seu coração olhando em seus olhos o mais profundo que
podia. Continuou em silêncio. Depois, voltando-se para o mar ressaltou interpretando
uma frieza no semblante, que ocultava a tristeza da voz:
– Lucas, eu sou sua professora! Isso tudo é muito ridículo. Eu nunca vou poder corresponder suas expectativas.
– E é a professora mais linda que eu
já tive – ele só ouvira a primeira frase. Sorriu delicado. As palavras dela,
acenderam nele um desejo ainda maior – eu quero dizer ao mundo o quanto você é
importante pra mim, mas... Ninguém precisa saber se a gente tiver junto, se
você não quiser. Olha, sempre trago comigo esperando o dia em que eu poderia te
entregar isso – tirou a mochila das costas, pegou uma caixinha preta de veludo,
na parte da frente. Depositou a mochila ao lado, apoiando-a em sua perna. Sem
parar de olhar para ela, abriu a caixinha, revelando um anel. Ela não se conteve. Gargalhou alto, surpresa:
– Lucas, para! Isso deve ter custado
caro. Você é louco em achar que pode haver algo entre nós. Por favor, esquece
isso! Repito. Isso é ridículo! – recusou a caixa com as mãos, fazendo o semblante do rapaz enfraquecer.
– Você me trouxe até aqui. Você me
quer, tanto quanto eu te quero e isso basta! Eu sinto isso sempre que nossos
olhos se encontram.
Curvou-se, pegou a mochila novamente,
abriu-a. Retirou um caderno de desenhos. Na primeira página, tinha um desenho
dela.
De forma mais contida ela ria agora
da inocência e graciosidade do rapaz.
– Sou eu em mangá? – ela puxou o
caderno de suas mãos. Ele tentava estudar as expressões dela enquanto olhava os
desenhos tentando reconhecer algum traço que poderia denunciar uma possível
satisfação, mas o semblante de Priscila permanecia o mesmo, até que seus olhos
brilharam por alguns segundos, mas ele não percebeu, uma vez que ela meneou a
cabeça fechando o caderno abruptamente.
Ele detestava o silêncio dela. Talvez
por amar demasiadamente a forma com que ela se expressava. Silenciou também. E
agora se empenhava em ouvir o som de sua respiração e do sorriso que ela
esforçava-se para conter. Tocou em seus braços sem tirar o olhar dos seus
cabelos, depois, sem muito sucesso, buscando encontrar seu olhar, ele
pronunciou:
– “...Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te
sem fim e odiando te rogo,
e a
medida do meu amor viajante,
é não te
ver e amar-te, como um cego...” – ela abaixou o olhar, olhava para a calçada à seus pés. Ele continuou
um trecho de outro poema:
– “...Dois
amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem tanta vez
enquanto vivem,
são eternos como é a
natureza.”
– Chega de
me comprar com Neruda! – sorriram juntos. Encararam-se por um bom tempo – Que
horas você tem que estar em casa?
– Não tenho
que estar em casa, tenho que estar com você.
Ela se voltou para ele
aproximando-se:
– Ok! Só
essa noite, Lucas! Mas não quero seu presente. Guarda para uma namoradinha.
–
Priscila, por quanto tempo mais você vai deixar de acreditar em mim? – ele irritou-se com o desdém que ela falara – Porque você vai
deixar de acreditar em nós? Você não está negando uma chance a mim, mas a si
mesma. Você sabe que isso não começou ontem, nem semana passada,
nem mês passado... Se quiser, eu saio daquela droga de escola! Você não é assim
tão mais velha que eu e eu não sou um aluninho seu da pré-escola – ele agora
falava firme. A olhava nos olhos e não deixava sua face cair enquanto a fixava,
sustentando-a com a ponta de seus dedos.
Ela esforçava-se para fazer expressão
de incompreensão. Torceu os lábios e murmurava desvencilhando seu olhar para
outros lugares enquanto ele falava. Batia os pés como se o que ouvisse a incomodasse
profundamente ou como se não aprovasse o que ele dizia. Soltou um suspiro,
tirou as mãos dele de seu queixo, revirou os olhos e sarcasticamente perguntou:
– Acabou?
– É necessário ser tão racional? – ele continuava não ligando para
seus gestos e expressões – O que eu sinto é muito intenso. Eu te quero muito!
Prisccila silenciou os
gestos e suspiros falsos, embora incapaz de o encarar mantinha os olhos fixos
no mar. Ao contrário do que tentava demonstrar, mais do que tudo, ela
desejava não acreditar no que ele falava. Mas cada palavra de Lucas acertava
seu coração rachando a resistência que ela tentava em vão, manter intacta – Eu
sei que você me quer do mesmo jeito intenso do qual te quero. Eu posso ver isso
só de olhar agora pra tua pele que queima de satisfação e desejo por estar
comigo. Não fuja dos meus e dos seus sentimentos, Priscila.
– Vamos
voltar! – ela apelou quase suplicando com um embargo na voz.
– Não! Se
é a última vez como você diz, quero contemplar a lua ao teu lado.
Mas uma vez em silêncio, ela moveu-se em direção a areia da praia, dando a entender que havia consentido
a proposta dele. Estava calada por fora, mas em seu interior gritava aflita de
paixão. Sentou-se estendendo as pernas na areia a acariciando com a ponta dos
pés e o calcanhar. Ele sentara-se ao seu lado. Tinha verdadeira veneração por
seus cabelos, os quais foram profundamente afagados assim que ele se acomodou
ao seu lado. Ele o havia desenhado tantas vezes... Extasiado pulsava seu
coração na necessidade de reproduzir seu olhar refletindo o luar.
– Em
minhas veias transpassam e se afloram a essência de tuas vontades. Incitando em
mim, a ânsia de cumprir a ordem daquilo que desejas – soprara em seu ouvido a
abraçando suave.
– Estes
não são de Neruda!
– Não! São
seus.
– Meus?
– Sim! Os
escrevi pra você...
– Lucas! – ela o interrompeu preocupada – Precisamos voltar. Disse à minha
mãe que chegaria cedo.
– Avise a
ela que você está comigo. E que não há perigo – disse ironicamente esforçando
um sorriso de bom menino – parece um sonho estar assim tão perto dela.
– Dela quem?
– Da sua boca. Já a desenhei tantas
vezes. Essa aproximação só acontecia nos meus sonhos. Estar assim tão próximo do meu objeto de desejo está me deixando
eufórico.
– Eufórico
não seria bem a palavra, não é? – sorriem – Precisamos mesmo voltar. O vento está soprando muito
alto e forte. Essa melodia prediz chuva. Mas, qual é mesmo a sua proposta? É
muita intensidade pra um romance só. Meu coração não está protegido contra
todas essas investidas de paixonite aguda de sedutores de plantão. Isso deveria ser crime com pena perpétua.
– Não seja tão dramática! – riu-se – E pela
tortura que você está fazendo comigo, também deve apoiar pena de morte. É uma delícia saber que eu te desestabilizo. Olha...
– faz com as mãos um sinal para que ela espere, fica em pé bem à sua frente
e pega no bolso na calça um molho de chaves – essa
aqui quadradinha é a chave do portão da minha casa, essa mais redondinha, está
vendo? É a do portão da frente. Já essa vermelhinha é do cadeado do armário do
meu trabalho... Mas essa aqui, ó... – ele retira uma chave pequena do chaveiro,
entrega em uma de suas mãos, e a fecha segurando firmemente, sem deixar um
segundo de olhar em seus olhos – Essa é a chave do meu coração. É pequena e
frágil bem como o local no qual eu desejo que você se instale, embora, você já
o tenha invadido sem me pedir permissão.
Ele vencera, Priscila
sabia. Levou as mãos fechadas ao peito segurando a pequena chave que ele com
todo carinho simbolizou como a chave de seu coração. Não consegue conter-se e
levantando, apoiada nas mãos de Lucas o abraça forte.
– Isso é
uma breguice, você sabe, não é?! – solta-o olhando fixamente nos olhos do rapaz
– Mas não consigo mais cogitar se isso é
certo ou não, – seus olhos encheram-se de lágrimas – eu precisava tanto fazer o
que é certo, mas... Não tenho mais forças! Acho que você treinou horas pra me
enlouquecer falando desse jeito. Mas saiba que, desde o primeiro momento em que
eu te olhei há alguns meses atrás, saberia que você me daria um trabalho
enorme. Mas nem poderia imaginar que eu me apaixonaria assim, nem que seria
digna de tamanha admiração.
– Então, só por uma vez... Diz que me
quer? – ele pediu com um sorriso que ela não teria condições de recusar.
– Garoto,
garoto...!
– Psiu! – a calou pondo uma de suas
mãos em sua boca – Vou te provar que sou muito
homem.
Em um movimento abrupto e instantâneo
ele a segura pelo pulso e a puxa para si. Os olhos dela se arregalam de espanto
e surpresa. Fez impulso para desprender-se, mas ele a segurou com mais força.
Ela chamou por seu nome, revestida de desejo, mas não saiu som. Ele leu seus
lábios e, sem tirar os olhos deles, tateou seu punho bem devagar chegando em
suas mãos entrelaçando seus dedos aos dela. Ela não mais resistia. Ele a
envolveu em seus abraços apertando sua cintura com firmeza, trazendo-a cada vez
mais para si.
Com um misto de paixão e medo, o
coração aos pulos, ela colocou suas mãos sobre os ombros dele e o abraçou
descansando a face sobre seu ombro direito. Chorava. Ele sabia que sim. Podia
sentir suas lágrimas molhando seu ombro. Afastou-a, limpou uma lágrima com um
beijo. Limpou outra também. Curvou-se e finalmente a beijou. Ele a levantou
deixando seus pés suspensos no ar. Ela sentiu-se flutuar. Uma lágrima rolou
agora pela intensidade do momento. Ela pôde sentir algo quente e úmido tocar
seu rosto. Ele também chorava. Ela o beijou com mais paixão e por um longo
tempo, suas línguas, corpos e mentes continuaram entrelaçados, até que o dia amanheceu.
21 comentários:
Adooooorei esse conto, escrito lindamente!
Parabéns pelo blog, tá muito lindo!
Sucesso!
Nathalia
Blog Dentro Das Páginas
"Amor e tosse impossível oculta-los"
essa foi boa...
Obrigada, flor! Irei visitar também o seu cantinho! Fico feliz que tenha gostado do conto e do blog. Também desejo sucesso!
Muito bom, bem escrito e interessante!
__
escritorasaramelissa.blogspot.com.br
Grata, querida Sara! Sucesso!
Vanessa Borges, nossa prima?
Essa mesma!
Que conto sensacional, quantas palavras únicas, nossa.. Amei! Um super beijo, Blog Minuto de Bobeira ♥
Belo post! Adorei. Abracos
Que profundo muito lindo.
Nossa, que conto lindo! Li algumas linhas umas 3 vezes rs. Muito profundo... um beijo
Que bom que você gostou, Manu! Um beijo!
Adorei a história. Tens tanto jeito para escrever. Continua assim. Beijo bom.
Ai que legal ♥ Eu adoro contos! Já pensou em publicar no wattpad? :D Flores no Outono
Que conto lindo! Muito bom parabéns
Já, sim! Que bom que gostou!
Fico feliz que tenha gostado! Obrigada! Beijos!
Adorei!
Excelente conto, adorei já a começar pelo título!
<3
Adorei o conto!! Parabéns
Que lindo. Eu me surpreendi bastante com o lance entre professora e aluno. É uma relação bem clichê, mas que você conseguiu tornar única e emocionante.
Vidas em Preto e Branco
AI MINHA NOSSA, QUE CONTO MAIS LINDOOO <3 <3
Eu fiquei bem surpresa no começo, fiquei tipo "ela é professora dele? Parece" e realmente é kkkk lembrei daquela música da kelly key, adoleta kkkk
Parabéns pela criatividade e escrita *_*
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