
Ilustração: Ator Gary Dourdan
Eu não o ouvia
mais, ele havia perdido a fala. As palavras de Serafim que perpetuavam em minha
mente eram as mesmas de 32 anos atrás. O único som que ele conseguia proferir
eram gemidos de dor e quando eu me levantava e verificava a fonte das dores,
era como se a minha presença milagrosamente já aliviasse algum mal estar.
Uma vez demasiadamente temeroso, quando já havia voltado ao quarto que havia
improvisado para ele muito mais vezes do que nas outras noites, minhas
pálpebras pesavam tanto que não vi outro jeito a não ser o de me colocar ao seu
lado na cama. Embora a poltrona fosse confortável, eu não dormi. Serafim parara
de gemer e eu remexia as minhas memórias involuntariamente e então, quem passou
a gemer internamente com dores profundas fui eu. Isso se repetia com tanta
frequência que eu concluía dramaticamente que me fazer passar a noite em claro
com o pensamento atribulado pelas dores do passado, era uma forma de Serafim
terminar a vida sendo sádico comigo.
Toquei em seu peito verificando sua respiração. Era tão suave que quando ele
estava de olhos fechados eu duvidava que esta ação natural ocorria. Ficava
aliviado quando constatava que sim, a não ser pelo fato de saber que lá no
fundo, minha preocupação contínua era que eu o perdesse mais uma vez, agora que
o tinha de volta. E isso me assustava, eu não queria ter essa proximidade.
Julgava que aquele homem não era digno de um átomo do meu afeto. Mas era
incontrolável e se aflorava crescendo incrivelmente um pouco mais a medida em
que o passado ia ficando a cada novo dia, mais no passado.
Ainda com as mãos sobre seu tórax eu ergui minha coluna lentamente quando a
campainha tocou. Ele abriu os olhos e nos fitamos por longos segundos até ela
tocar novamente. Eu respirei fundo, peguei o terno e a mochila ao lado da cama,
na cômoda estava um envelope ainda lacrado que eu alisei assim que peguei nas
mãos. No dia anterior eu não quis abri-lo, na realidade, eu tinha muito medo da
verdade, mas naquele momento era necessário, porque eu não tinha alternativa a
não ser descobri-la logo e me voltando para Serafim com um sentimento que eu
não saberia jamais transcrever depois de olhar minuciosamente o conteúdo do
envelope, fui abrir a porta para Glaucia que impaciente, havia tocado a
campainha pela quarta vez.
–
Porque demorou tanto a abrir? – Eu olhei no relógio, já havia se passado uns 15
minutos de seu horário – Passei na padaria e... Mas sua cara está péssima – ela
havia notado. Expliquei que não havia dormido a noite toda. Ela simulou uma
expressão sofrida para logo depois desmanchá-la em um sorriso questionando se
eu havia feito o café – Hoje vou dormir aqui. Você vai poder descansar melhor,
não quer esperar pra tomar café comigo? – disse amigável tentando arrancar em
vão uma expressão de conforto. Eu só balancei negativamente a cabeça saindo
apressado, precisava urgentemente encontrar Olívia.
Ela morava um pouco distante, mas eu levaria um tempo bem maior do que o
normal para chegar à sua casa uma vez que me era impossível dirigir sem parar
inúmeras vezes para assimilar o que estava acontecendo. Lembrei de quando
começamos a namorar, foi difícil assumir mais um relacionamento sério, pois,
eles sempre acabavam mal. Aliás, eu queria muito me livrar dos ciúmes, mas era
inevitável, eu não sabia exatamente o motivo, mas eles faziam parte de mim e
era exatamente o fato dos meus relacionamentos nunca darem certo. Olívia tinha
um olhar encantador e um jeito sensual, embora sutil como a sombra. Era tão
questionadora... Assim que começamos um relacionamento sério, ela quis saber da
minha vida desde que eu era um feto. Eram tantas perguntas e, muitas delas, em
relação a minha infância, ficavam sem respostas porque eu não conseguia lembrar
esta parte da minha vida sem que meu semblante ficasse distorcido. Estávamos
juntos há pouco mais de dois anos, era o meu relacionamento mais longo, seus
gestos contavam-me segredos sobre si que ela mesma desconhecia, mas ela pouco
sabia sobre meu passado.
Um
dia caminhando com Olívia pelo Parque das Águas, vi um rosto conhecido e fechei
o semblante mais nublado que pude para que não me reconhecessem ou para que aquela
minha expressão fosse um obstáculo para possíveis abordagens indesejáveis.
Olívia notou minha mudança repentina e perguntou-me o que estava ocorrendo. Não
fui capaz de responder. A resposta viria em seguida. Meus sinais de "quero
você longe!" foram ignorados.
Nina era tão alegre e doce, que eu não pude sustentar a expressão de arrogância
nos olhos quando ela se aproximou e me abraçou instantaneamente dizendo que eu
não havia mudado nada. Perguntou-me se ainda encontrava alguém do abrigo.
Ligeiramente balancei a cabeça negando. E ela citou o nome de uma amiga que
frequentava minha casa, a qual Olívia conhecia bem, fazendo-a apertar os olhos
tentando juntar as informações e tirar a conclusão de que eu estivera em um
orfanato e que conhecia Nina e essa amiga de lá. Nina irrompeu um mar de
informações que eu não havia pedido sobre os antigos membros do orfanato que
ela ainda mantinha contato, chacoalhava um bebê que dormia em seu colo e informou
que seu marido estava por perto com seus outros dois filhos, apontando na direção
do outro lado do lago. Quando ela finalmente notou que eu não estava
correspondendo sua alegria em reencontra-me e respondendo de forma
monossilábica todas as perguntas que fazia, finalmente deu adeus e ainda
sorridente afastou-se.
Fixei os olhos em meus sapatos assim que sofregamente sentei no banco úmido do
parque. Olívia não quis molhar o vestido e se pôs em pé ao meu lado ocultando
com angústia um monte de perguntas que eu tinha certeza que ela gostaria de
fazer-me naquele momento. Mas Olívia devia mesmo ser de outro mundo, pois,
quando Nina se foi, ela percebeu que minha aflição em relembrar o passado era
maior que a aflição de sua curiosidade. Ela roía as unhas da mão esquerda todas
juntas demonstrando um nervosismo fora do comum, não sabendo como começar a
questionar ou se deveria fazer isto naquele momento.
Depois de longos minutos de costas, sentou-se ao meu lado e me abraçou
encostando a cabeça no meu ombro. Como prêmio por entender meu silêncio, eu
achei que deveria contar-lhe tudo e ali mesmo no Parque entre os
tranquilizantes verdes lubrificados pela poeira da chuva que houvera caído,
comecei a desengasgar cada dor.
20
de julho de 1967, eu estava no quarto que sempre havia sido meu há 9 anos. Meus
olhos inchados de tanto chorar pela morte da minha mãe. Eu ainda estava com a
mesma roupa que havia ido ao velório.
Depois que meus avós morreram, Carmem, irmã da minha mãe passou a morar lá no
Rio com Serafim, minha mãe e eu. Ela foi a única parente que eu conheci.
Naquele momento ela e Serafim discutiam alto na sala e eu sabia que eles
estavam falando de mim. Quando o silencio voltou, percebi que meus esforços
para entender a discussão me fizeram parar de pensar em meu sofrimento e quando
eu retornei a ele, cai inerte na cama entorpecido pela minha dor e foi então
que ouvi a porta do quarto sendo aberta com toda força e Serafim gritando
comigo de um jeito insuportavelmente pior do que das últimas vezes:
–
Sai! Sai daqui agora! – Carmem tentou segura-lo suplicando a ele para se
acalmar porque os vizinhos poderiam ouvir. Meu coração parecia que iria
explodir. Ela olhou para o meu semblante e pediu calma garantindo falsamente
que tudo iria ficar bem. Não iria! Ela sabia. Havia acabado de perder minha mãe
e estava prestes a perder um pai dali a poucos dias de uma forma incrivelmente
pior.
Depois de alguns longos e aterrorizantes minutos eu ouvi um barulho de carro
arrancar e corri para sala. Carmem saiu do banheiro ainda de toalha dizendo que
do jeito que ele saíra, algum acidente poderia acontecer.
–
O que esta acontecendo, tia Carmem?
Ela se deu conta que estava só de toalha, me pediu pra esperar e voltou
correndo para o banheiro.
Já
fazia mais de 40 minutos que eu esperava encostado na porta do banheiro,
sentado no chão, abraçando os joelhos. Enterrei o rosto quando soube que ela
também chorava baixinho.
Quando ela saiu, estava com roupa de festa. Eu sabia que era uma roupa de festa,
pois há algumas semanas atrás, quando ela tirou o vestido vermelho de dentro da
sacola, ela falou para mamãe que comprara um vestido lindo de festa. E eu o
reconheci naquele momento. “Para qual
festa tia Carmem estaria indo depois de enterrar a irmã?” Pensei. Ela foi
até o quarto e voltou com a bolsa presa aos ombros dizendo que precisava ir.
Eu
rasguei um pedaço do vestido de festa da Carmem implorando pra que ela não me
deixasse sozinho. Quando finalmente nos cansamos, ela me puxou para o quarto,
enxugou minhas lágrimas pedindo pra que eu tomasse um banho, mas, eu
desesperado que ela aproveitasse esse momento para ir embora, somente troquei
de roupa. Ela me deitou na cama, trocou os meus sapatos e deitou-se ao meu
lado. Eu lutei com toda força para não dormir, mas o que eu mais temia
aconteceu. Quando o sol se levantou pela manhã, eu estava sozinho.
Serafim voltava fedido e bêbado após dois dias fora de casa. Mas eu achei seus
olhos mais calmos e acreditei que tudo ficaria bem na medida do possível até
que, ele me sentou no braço do sofá, se abaixou na altura de meus olhos e foi
falando com os olhos verdes mais frios que eu já vi:
–
Você não é meu filho! Só aceitei você aqui porque eu amei a burra da sua mãe
mais do um homem deve amar uma mulher. Ela viajou para Sergipe e ficou lá por
duas semanas e voltou grávida de você. Mas você não é e nem nunca será meu
filho. Agora que ela está morta... Eu quero que você se vire. Arrume suas
coisas que vou te levar para um orfanato. Você também morreu pra mim.
Antes da morte levar minha mãe, ela já não vivia. Serafim abria feridas nela
com as palavras pontiagudas que proferia, embora sempre achei que elas doessem
muito mais em mim. Mamãe suportava tudo aquilo porque não tinha para onde ir
doente como estava e também porque socialmente, na época, determinadas
humilhações eram frequentes e deveriam ser toleradas silenciosamente pela
mulher que as sofresse. Principalmente se esta fosse negra, pobre e sustentada
pelo marido branco. Minha mãe não tinha fala, minha mãe não tinha voz e Serafim
era o herói do bairro, ninguém imaginava que ele humilhava a mulher que tinha
câncer só pelas supostas traições. Toda vez que ele levantava a mão para ela
insinuando alguma agressão física, magicamente se continha e eu agradecia à
vida por isso, embora, ele sempre inventava algum motivo para descontar toda
sua raiva em mim.
Contudo eu nutria bons sentimentos por ele, pois era isso que minha mãe
cultivava dentro de mim sempre que eu apanhava dele. Porém, naquele momento que
ele disse que eu não era seu filho, me senti grato de alguma forma, apesar de
estar em choque e um pouco confuso em como seria minha vida dali para frente.
Fiquei de certa forma satisfeito por aquele homem que sempre arrumava um jeito
de marcar meu corpo com violência, não ser meu pai, embora eu tivesse muito
medo do que iria me acontecer.
O que minha mente tentava expulsar com repulsa, mesmo depois de ver
Carmem e Serafim tão próximos várias vezes, veio à tona no momento em que saí
no portão com a mochila nas costas e a vi sentada no banco do carona do
Hillmann Super Minx, lixando as unhas. Eu interpretei que Carmen se lixava para
o que eu estava sentindo também, embora, assim que me viu tentou não me encarar
nos olhos, parando imediatamente a ação.
No caminho, ele me contava as estapafúrdias – era essa a palavra que ele
usava com ênfase e muito ódio – que minha mãe fazia quando ia para Sergipe.
Serafim contava com detalhes todos os casos de minha mãe, que segundo ele,
foram relatados por Carmem. Ela balançava a cabeça confirmando cada mentira,
que na verdade, haviam sido primeiramente inventadas por ela. Eu tratava de
limpar veloz e audaz cada lágrima que insistia em descer, como se fosse
proibido que elas caíssem, até que elas rolavam muito mais ligeiras que minha
rapidez em enxugá-las.
Eu não conseguia lembrar da minha mãe assim. Eu sabia que ela amava
Serafim. Sabia, sim. Quando eu chorava reclamando para ela que eu o odiava, ela
sempre dava um jeito de defendê-lo dizendo que na verdade ele era um homem bom.
Entendi que minha mãe era grata a ele por algum outro motivo que acabou se
confirmando assim que ele parou o carro em frente ao abrigo. Serafim
descarregava as palavras como quem atira um fardo ao chão:
–
Sua mãe nem sabia se você era meu ou do tal do banqueiro que comeu ela lá em
Sergipe. Agora se você é filho do banqueiro, do padeiro eu não sei. Meu filho é
que você não é. Só te aceitei porque ela foi e será a única mulher que amei
nessa vida – Carmem tremeu e fez uma expressão enojada seguida por um ódio
estampado em cada linha de seu rosto quando ouviu essa última frase.
Minha mãe sentia-se grata por Serafim cuidar de um filho que ela não tinha
certeza se era dele. Por isso, ela o qualificava como um homem bom? Minhas
certezas estavam fragilizadas, a não ser por saber que enquanto viveu, minha
mãe havia me amado. E saber disso me bastou ou me confortou naquele momento
funesto.
Passei a adolescência planejando minuciosamente em minha mente uma morte
bem dolorosa para Carmem e Serafim.
Até que depois de
longos anos, mais precisamente 31 anos, 3 meses e 17 dias, recebi uma ligação
de uma senhora que parecia um pouco idosa pela voz. Ela pedia para atende-la à
porta pois estava no meu portão. Eu reconheci pela minha intuição, sempre soube
de alguma forma que aquele momento iria chegar.
Carmem mal conseguia andar. Fez menção de me abraçar, mas conteve-se mostrando
que sua sensatez não havia se esvaído com a beleza da sua juventude.
Quando eu a permiti entrar, ela olhou meu apartamento com o mesmo desdém que
contornou o olhar em volta do prédio do orfanato que Serafim me levou há alguns
anos atrás. O que Carmem levou aos meus ouvidos foi ainda mais terrível que eu
imaginava. Cresceu em mim um misto de gratidão pela verdade e pela dor de tê-la
ouvido, embora minha alma ficaria novamente marcada pelo relato de uma nova
violência que mamãe sofrera. Eu tremia por dentro e por fora contorcendo meus músculos
internamente enojado com o que ouvia.
Contava
que em Sergipe havia um banqueiro apaixonado por minha mãe desde a época em que
elas eram mais moças. Uma noite, ele foi procurar por ela assim que soube que
ela voltou à Ribeirópolis, na cidade em que morava meus avós e minha mãe disse
ao sujeito que não a procurasse mais porque havia se casado. Já apaixonada por
Serafim, armou uma forma de mamãe ficar sozinha com o tal do banqueiro e
segundo as informações do homem, eles teriam se relacionado. Mamãe confirmou a
história e foi obrigada por Carmem a repeti-la à Serafim assim que descobriu
que estava grávida um mês depois.
– Eu não conseguia pensar em outra coisa, a não ser em ter o amor que
Serafim dedicava à sua mãe todo pra mim – minha voz sumira, eu simplesmente fui
incapaz de dizer uma única palavra – Serafim nunca deixou de amar sua mãe, ele
só me quis quando ela morreu. Nós nunca fomos amantes – eu não consegui
acreditar nessa última parte – ele só tinha olhos pra ela e eu nunca fui amada
por ninguém. A inveja é algo macabro. Eu amava a sua mãe, foi ela que me
permitiu morar lá no Rio com vocês – eu me levantei e ela se recolheu com medo
do que eu poderia fazer. Serrei os punhos e minhas veias ficaram saltadas. Mas
o pior ainda estava por vir. Quando eu me acalmei e me sentei para que ela
pudesse terminar o seu relato, ela disse que precisava reparar os erros e que
precisava de perdão porque conviver com aquela culpa a fez adoecer como adoeceu
minha mãe – Sua mãe não traiu Serafim, o banqueiro a usou com força, entende?
Lembro
que minhas mãos foram à cabeça e eu fiz um esforço grande para não gritar.
Minha vontade era de pegá-la pelo braço e enxotá-la do meu apartamento.
– Você não imagina
o quanto isso me dói – ela prosseguia sem que eu fosse capaz de encará-la, era
como se meu semblante pudesse se petrificar ao encarar a monstruosidade que era
Carmen contando todas aquelas humilhações a qual submeteu minha mãe.
“Não, sua estúpida! Minha mãe morrera de câncer e
fui abandonado pelo cara que eu achava que era meu pai até então, descobri que
minha tia fez de tudo para destruir a minha família e descobria que era fruto
de um estupro. Não! Isso doía infinitamente mais em mim.” pensava
atormentado.
– Ela me falou isso
com muita vergonha dias antes de partir e me fez prometer que eu jamais
contaria a alguém. Eu nunca fui capaz de dizer isso a Serafim porque eu o amava
cegamente. Era, era algo... macabro! – repetiu como se com aquele termo pudesse
transferir sua culpa para um outro ser.
Não consegui dizer nada àquela mulher aos prantos à minha frente. Carmem tentava,
como se fosse possível, justificar que fazia o possível para destruir o casamento de Serafim com minha mãe
por ela ser a filha mais amada por meus avós e que o que mais a motivou foi a
inveja, principalmente pelo amor que Serafim tinha por ela, por ela ter uma
família.
Carmen jamais
saberia identificar meu timbre de voz, pois eu fui incapaz de dizer algo,
embora meus pensamentos estivessem gritando, minhas cordas vocais estavam
paralisadas. Desde a época em que estava no carro indo para o orfanato, não
precisava mais do esforço de conter as lágrimas, pois, após aquele dia, elas
não mais caíram. Eu só fiquei longos momentos com a cabeça baixa tentando
entender o motivo de minha mãe ter sofrido tanto.
Quando percebi que ela havia terminado seu relato, simplesmente
levantei-me, abri a porta expulsando-a do mesmo ambiente que eu e, assim que
ela atravessou a porta, estendeu a mão para mim e me deu um papel que estava
dobrado. Fechei a porta sem me despedir e desejava pôr fogo naquele apartamento
em que Carmem colocou os pés, recolher aquele papel de suas mãos, era um
esforço descomunal, no entanto, eu fiquei refletindo por dias no conteúdo que ele trazia.
Até que alguns meses se passaram e eu tomei
uma decisão. A mais difícil da minha vida e, parado em frente à casa de
repouso, fiquei longos minutos ali parado conferindo o endereço e me
perguntando se aquilo estava certo ou não. Serafim não iria ter o fim que eu
havia planejado para ele.
Levou alguns meses para que eu o trouxesse
para São Lourenço. Carmem que era sua esposa, assinou os papéis o liberando
para passar o resto dos seus dias com a pessoa a quem ele desprezou. Foi uma
missão quase impossível e eu não sei o motivo de eu ter lutado tanto por isso. Serafim
não andava, não saía da cama e se alimentava pela sonda. Não era mais belo e
forte como antes, eu jamais iria maltratá-lo como ele me maltratou. Eu nunca
iria abandoná-lo como ele me abandonou. No dia em que eu o trouxe para casa, eu
transpirava tanto que desconfiei que não era suor, mas lagrimas que saiam pelos
meus poros já que eu as havia segurado por tanto tempo. Para Olívia, ele era
apenas o ex marido da minha mãe. Então ele fez alguns exames de sangue e eu fiz
um novo pedido. Teste de paternidade. Levava agora o resultado positivo para
Olívia. Serafim era meu pai.
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Deslocamento: Em
psicanálise é um mecanismo de defesa que está relacionado a uma troca no
sentindo que uma dada representação muda de lugar e passa a ser representada
por uma coisa ou uma pessoa.

Ilustração: Ator Gary Dourdan

4 comentários:
Olá! O gritos de dores e a lembranças do passados não muito boa, juntos realmente pode se transforma em uma mistura de tirar os sono. Que família em... Tadinho do menino ouvi que não é filho do cara e só foi aceito lá porq o cara amava a mãe dele.... É um texto bem completo, forte e bem escrito. Bom você ter colocado o significado de deslocamento no final, assim o leitor pode entender melhor o que você quis passar na história. Beijos'
Nossa! Que história mais triste para todos os envolvidos.
Sinceramente não sei se conseguiria não maltratar nem que fosse pra dizer a verdade na cara de Serafim.
Deixa ver se entendi, o deslocamento nesse texto está nas ações de Serafim?
De qualquer forma que texto tenso. Li avidamente.
Bjs
Olá!
Desconhecia Deslocamento com essa definição em psicanálise e achei o seu texto muito interessante e repleto de reflexão. Esse final parece trazer uma redenção sofrida e isso fez meu coração apertar.
Adorei seu texto.
Beijos
Exatamente! Ele amava a mulher e achava que ela o havia traído, mas ele não descontava sua raiva nela, e sim no filho. O filho que demonstrou amor ao invés de ódio quando teve a chance de reencontrar o pai. Obrigada por sua mensagem e sua visita, Marcia!
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