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Foto meramente Ilustrativa. Fonte: Freepik |
Voltava do treino quando recebi a mensagem. Achei tão
apelativa... Na época, achava Lúcia a pessoa mais estranha do mundo. Por dentro
principalmente. Irritava-me o seu jeito tão sentimental.
Olhei sua fotografia de perfil e fixando os olhos em sua cicatriz no pescoço,
pensei que ela poderia ter tirado de um ângulo melhor. Lembrei-me do acidente e
de tê-la ajudado no momento em que ela mesma classificou como o pior de sua
vida.
Depois deste fato, ela passou a chamar-me de anjo. Eu pensava que era
por incapacidade dela em pensar em um apelido mais depreciativo. Era a única
pessoa que me via dessa forma, apesar de eu jamais permitir que alguém me
conhecesse a fundo.
Se ela soubesse que eu era o oposto do anjo que ela imaginava que eu fosse,
iria ser difícil tê-la por perto e, eu não podia me dar ao luxo... Os poucos
contatos que eu conservava, eram reservas para quando eu precisasse de alguns
favores.
Enfim... Lúcia, Maya e eu, havíamos nos reunido no mesmo bar que tínhamos
frequentado há muitos anos, na época em que trabalhávamos juntos.
Lúcia, como eu pensava, sempre insuportavelmente sensível, repetia todo o tempo
o quanto era bom estarmos ali e o quanto aquele momento era raro.
Maya contava que havia sido demitida da empresa em que trabalhava como
arquivista.
– É melhor ter paz do que ter dinheiro – falou Lúcia tentando confortar Maya no
intuito de fazê-la sentir-se melhor por estar longe do estresse que era seu
trabalho, ainda que tivesse problemas financeiros.
– Você não tem paz se o dinheiro lhe falta – balbuciei mais para mim mesmo,
confrontando o consolo piegas de Lúcia que eu sempre achava muito chato. Elas
ouviram. Não responderam. Concordaram comigo, só não admitiram.
Alguns longos segundos de silêncio foram quebrados por Maya que continuou
relatando as perdas de sua vida e, dessa vez, falava do término de um
relacionamento. Eu apenas balançava a cabeça bebendo a cerveja, fingindo ouvir.
Nada disse.
Lucia que despejou mais uma pérola:
– Isso era um relacionamento abusivo.
– Não exagera! – respondeu Maya e em seguida, para se livrar dos conselhos de
Lúcia, perguntou sobre minha vida amorosa.
– Igual como sempre – respondi.
– Como igual?
– Inexistente! Minha vida sexual está bem ativa, obrigado! – riram.
Lucia olhou ao redor e como se julgasse mais feliz do que eu, Maya e o restante
das pessoas do local, quase subindo na mesa, falou mais alto que a música que
tocava:
– Já eu, me caso em maio.
– Com o advogado? – tentando demonstrar desinteresse para que ela aprendesse
que aquilo não era uma notícia que mudaria nossas vidas, perguntei olhando por
cima dos ombros no intuito de pedir ao garçom uma porção de fritas. Já Maya,
simulava um ataque do coração.
Dez minutos depois de uma história enfadonha e clichê que ela contava como se
fosse um romance digno de um Oscar, ela deu um embrulho para mim e outro
para Maya, dizendo que foi por isso que mandou mensagem marcando o encontro com nós dois àquele
dia.
Abrimos. Era uma garrafa de vinho para cada. Em um rótulo personalizado, meu
nome na garrafa entregue a mim e o nome da Maya na dela, seguido de um pedido
para sermos seus padrinhos de casamento.
Bom, se antes Maya estava simulando um ataque do coração, depois desse momento
ela parecia agonizar. Deu um grito agudo, pulou da cadeira e ficou balançando
as mãos sorrindo de boca aberta, interpretando se emocionar, olhando para Lúcia
que repetiu exatamente as mesmas atitudes.
Eu nunca tinha recebido um pedido como esses. Pouca coisa se sabia sobre mim,
mas o fato de que eu não era muito dado a casamentos, era completamente
perceptível.
Sorri e disse que seria um prazer.
Eu odiei tanto a minha resposta e aquele pedido, que meu desejo maior era
quebrar a garrafa em minha própria cabeça.
Lúcia abraçou a mim e Maya ao mesmo tempo com braços gigantes e eu não sei exatamente
o que se sucedeu logo em seguida, mas certamente eu devo ter julgado tudo muito
chato e por isso apaguei da minha memória.
Lembro
da despedida e de ter sentido tanta pena da Lúcia, que assim que ela me olhou
sorrindo, se despedindo, não consegui sorrir de volta porque tinha uma certeza
muito firme de que aquele sorriso se apagaria dali a alguns meses ou com um
pouco de sorte, dali a alguns anos. E aquele sorriso não podia desaparecer já
que era uma das poucas coisas realmente verdadeiras nesse mundo. Eu tinha
convicção de que todas as pessoas casadas eram infelizes. E realmente aquele
foi o último sorriso que eu testemunhei dela, minha última lembrança. Depois
daquele dia eu nunca mais a veria.
Mandei uma mensagem à Lúcia pedindo perdão por ter de viajar a trabalho no dia
2 de maio, data do seu casamento. Ela não sabia que naquela época, eu
estava assim como Maya, desempregado. Nem eu, sabia porquê mentia. Lúcia deve
ter ficado chateada, a foto de seu perfil sumira junto com a sua insistência em
nossa amizade.
Depois de tanto
tempo lembrando e relembrando esse fato, finalmente assumo que toda a minha resistência,
foi pela questão de que é difícil ser padrinho de um casamento, quando bem lá
no fundo, se quer ser o noivo.
21 comentários:
Olá, tudo bem?
Por favor diga que tem continuação! To morrendo de curiosidade para saber o que vai acontecer.
Parabéns pelo conto! Está fantástico!
Beijos
Oiê! Ah, mas achei esse homem muito pamonha, o cara nem dá atenção pra moça direito, não se deixa conhecer e aí diz que queria ser o noivo... é como dizem, quem não dá assistência, abre concorrência. Rs
Beijos
Não sei se eu fiquei mais aporrinhada com a Lúcia, que realmente parecia querer salvar o mundo de um jeito impossível e clichê, ou com o ex-futuro padrinho, que é um porre de pessoa. Culpa minha, detesto gente fatalista. Mas adorei o final! Fechou como uma luva para explicar o comportamento do personagem. Parabéns!
Oie! Tudo, sim!
Haha! Tem continuação, não, flor!
Na verdade, ele estava lembrando de algo que aconteceu e na época que aconteceu, ele não sabia identificar os seus próprios sentimentos e depois de um tempo ele avaliou que o sentimento que tinha pela Lúcia é que na verdade ele era apaixonado por ela. Ele não intensificava suas relações porque não sabia lidar com o outro. Por isso o nome do conto: "Bloqueio"
Gratidão pelo elogio! Isso é mega importante para mim.
Grata pelo comentário!
Beijão!
Muito lerdo, né?
Hahahah Tem mais gente assim do que a gente pensa, né?
Mas quando ele se deu conta, já era tarde. rsrs
Amei seu comentário! Gratidão!
Beijo!
Que bom que gostou, flor!
Grata pelo elogio e comentário!
Dá vontade de dar três tapas na cara dele, né?
A Lúcia é uma chata! Os dois se mereciam. kkk
Adorei seu comentário! Gratidão!
Poxa, que pena pro narrador! Aparentemente ele marcou bobeira, mas vai saber o que ocasionou o fato de ele não ter se declarado antes. Texto muito bom, adorei!
Parabéns!
Bjs
Lucy - Por essas páginas
Que bom que gostou!
Isso acontece muitas vezes, não é?
Grata pelo elogio e comentário! Bjs!
Pode te chamar de Liz?
Menina, que texto instigante.
Vai ter continuação? Precismos saber o que a Lúcia fez a respeito, rsrs.
Gosto dessa sua pegada literária.
Beijinhos ♥
Hahahaha Leitor é um caso sério, né?
Quer ficar acompanhando o personagem... Hahaha
Tem continuação, não, flor!
Que bom que gosta do meu estilo de escrita!
Lógico que pode me chamar de Liz!
Gratidão pelo comentário!
Beijão!
Muito impactada! Entrei mesmo na história, senti a dor. Você escreve muito bem, parabéns!
Olá!
Eu não fui muito com a cara desse personagem,sempre sendo falso e julgando as pessoas mesmo que seja por amor,esses pensamentos deles foram muito chatos.
Eu gostei da escrita e do final que deixa aquilo de eu amo mas não posso ficar com ela.
Beijos
Oie
nossa que legal shuahsuah estou muito impactada, parabéns por conseguir deixar o publico tão ansiosa e surpreso além de quase me deixar sem unha
beijos
http://www.prismaliterario.com.br/
Grata pelo elogio e comentário, Sabrina!
Olá!
Também não gosto dele.
Ele é um bobão, mas... Tem mais gente assim do que se possa imaginar, né?
Grata pelo elogio e comentário! Beijão!
rsrs Perdão por te deixar sem unha, flor!
Que bom que você gostou! Grata pelo elogio e comentário! Beijão!
Primeiramente, parabéns!
Amei. Sua escrita é fluída e viciante e me impeliu a ler até o final. Gostei bastante da forma que você construiu o texto e fiquei bem triste com a situação do cara, que em meio a indiferença que ele se esforçou tanto para demonstrar acabou deixando escapar a possibilidade de felicidade que estava tão perto.
Abraços!
Nosso Mundo Literário
Sua escrita é ótima, amei <33
Parabéns pelo blog, já estou seguindo para poder acompanhar as novidades
www.papomoleca.com.br
Que bom que você gostou, moça!
Grata pelos elogios e comentário!
Você capitou perfeitamente o sentido da história!
Abração!
Oi, moça!
Gratidão pelo elogio e comentário!
Volte sempre!
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